quarta-feira, 23 de março de 2016

Fichamento: "A Interpretação dos Sonhos" de Sigmund Freud. Cap 01.

Considerado o maior trabalho de Sigmund Freud (1856-19390), "A Interpretação dos Sonhos" é o livro que inaugura a era da psicanálise. Neste estudo, o Mestre de Viena apresenta uma instância da mente que era,até então, ignorada: o inconsciente. Esse pressuposto foi o estopim de uma revolução teórica que permeou o debate sobre o comportamento humano no século XX.
(P.09) A Interpretação dos Sonhos.
Cap. I: A literatura científica que trata dos problemas dos sonhos.
Nas próximas páginas Freud apresentará provas de que existe uma técnica psicológica que torna possível interpretar os sonhos, e quando este procedimento é empregado, todo sonho se revela como uma estrutura psíquica que tem um sentido e pode ser inserida num ponto designável nas atividades mentais da vida de vigília[1].
Freud ainda tentará elucidar os processos a que se devem a natureza e a obscuridade dos sonhos e deduzir os processos de natureza e força psíquica cuja ação concomitante ou mutuamente oposta gera esses sonhos.
(P.10) Sem dúvida a visão pré-histórica dos sonhos ecoou pela Antiguidade Clássica. Eles acreditavam que o sonho era o mundo dos sobre-humanos e constituíam revelações sobre deuses e demônios, sendo a principal finalidade do sonho prever o futuro.
Aristóteles via o sonho não como uma manifestação sobrenatural, mas algo que seguia as leis do espírito humano. Definindo o sonho como um atividade mental de quem dorme, na medida em que esteja adormecido.
Antes de Aristóteles, os antigos não consideravam o sonho como um produto da mente que sonhava, mas como algo introduzido por uma entidade divina. Divididos em sonhos verdadeiros (que preveem o futuro) e sonhos falsos (que surgiam para confundir).
Essa variação no valor dos sonhos causava confusão, sendo necessário surgir uma maneira de interpretá-lo. Transformando um sonho inteligível em algo compreensível e significativo.
(P.11) Freud lamenta que o conhecimento sobre os sonhos tenha progredido tão pouco desde então. Segundo ele não existe nenhum conhecimento edificado sobre esse tema e cada novo autor que surge decide recomeçar o tema do zero.
(P.12) A. A relação dos sonhos com a vida de vigília.
É claro que se os nossos sonhos não vieram de outro mundo, pelo menos eles nos transportam para lá. É o que acreditam alguns pensadores que afirmam serem os sonhos uma válvula de escape do cotidiano em vigília.
Já outros acreditam ser o sonho uma extensão do estado de vigília. O sonho não liberta, mas sim é influenciado pela idade, sexo, classe, educação do sonhador. O sonho possuí aquilo que o homem em estado de vigília já pensa.
(P.13) Para Hildebrant o sonho é algo separado da vida em vigília, como uma espécie de abismo intransponível, onde o que se sonha nada tem a ver com a realidade de quem sonha. Alguém pode, muito bem, sonhar que navega até a ilha de Santa Helena e degusta vinho com Napoleão. E esta pessoa jamais navegou, nunca foi a Santa Helena, não bebe vinho e nem havia nascido quando Napoleão morreu.
(P.14) Por outro lado, todo o material utilizado no sonho é retirado da realidade e da vida intelectual de quem sonha. Qualquer que seja o sonho ele nunca pode se libertar do mundo real. O sonhador do exemplo acima deveria saber, ao menos, que Napoleão esteve exilado na ilha de Santa Helena.
B. O material dos sonhos – a memória nos sonhos.
Todo o material que compõe o conteúdo do sonho é derivado, de algum modo, da experiência, ou seja, foi reproduzido e lembrado no sonho – isto é um fato indiscutível.
Mas é um erro pensar que a ligação entre o conteúdo de um sonho e a realidade seja facilmente percebido pelo que sonha.
É possível que surja no conteúdo do sonho, um material que no estado de vigília, não reconheçamos como parte de nosso conhecimento ou experiência. Muitas vezes o sonho alcança recordação que estavam além de nossa memória de vigília.
(P.17) Uma das fontes de onde os sonhos retiram material para reprodução – material que, em parte, não é recordado nem utilizado nas atividades de pensamento de vigília – é a da infância.
(P.18) Contudo, os sonhos em sua grande maioria são relacionados com os dois últimos dias.
Outra característica surpreendente e menos compreensível da memória do sonho é demonstrada na escolha do material reproduzido: na vida em vigília em geral lembramos o que é mais importante, enquanto que nos sonhos nos lembramos também do irrelevante e do insignificante.
(P.19) Muitas vezes o insignificante domina os nossos sonhos.
(P.20) E isso é muito relevante para o estudo da memória em geral, pois levanta a questão que “nada que tenhamos possuído mentalmente uma vez pode se perder inteiramente” (Schola, 1890).
C. Os estímulos e as fontes dos sonhos.
Há um ditado popular que diz “os sonhos decorrem da indigestão”. Ou seja, o sonho seria uma perturbação do sono.
Então acredita-se que o ato de sonhar é desencadeado por quatro tipos de estímulos, que também são usados para classificar os sonhos: excitação sensorial externa (objetiva), excitação sensorial interna (subjetiva), estímulos somáticos internos (orgânicos) e fontes de estimulação puramente psíquica.
1. Estímulos sensoriais externos.
Quando vamos dormir tentamos nos desligar do mundo exterior. O primeiro ato é fechar os olhos (que é o nosso mais importante canal sensorial) e vamos pouco a pouco nos desligando dos estímulos sensoriais externos, mas isso não é absoluto e a qualquer momento um estímulo externo pode nos despertar. Então, já que o mundo extracorporal pode ser sentido durante o sono, ele pode muito bem, através dos estímulos sensoriais, tornar-se fonte de sonhos.
(P.22) O estímulo externo sobre os sentidos humanos (tato, paladar, olfato, audição e visão) podem influenciar o sonho.
(P.24) O estímulo que incide sobre os sentidos durante o sono não aparece no sonho em sua forma real, mas é substituído por outra imagem que, de algum modo, está relacionada com ele. Exemplo, um despertador pode aparecer em um sonho como um sino de uma igreja, guizos de um trenó, etc.
(P.25) Com base nos estímulos sensoriais externos recebidos nosso cérebro assemelha e cria a ilusão. Caso este estímulo seja duradouro, despertamos.
(P.26) 2. Excitações sensoriais internas (subjetivas).
Juntamente com os fatores externos temos as excitações sensoriais internas. Que são as excitações internas dos órgãos dos sentidos, juntamente com os estímulos sensoriais externos.
Como fontes de imagens oníricas[2], as excitações sensoriais subjetivas possuem a vantagem obvia de não dependerem, como as objetivas, de circunstancias externas.
Essas excitações são causadas por excitações subjetivas na retina, alucinações ou fenômenos imaginativos.
(P.27) 3. Estímulos somáticos orgânicos internos.
Aqui Freud busca a fonte dos sonhos dentro do organismo e não mais fora dele.
(P.28) É evidente que nossos órgãos quando doentes tornam-se fontes de excitação e estímulos para todo o organismo. E esses estímulos internos podem ser tão influentes ao sonho quanto os externos. Os distúrbios dos órgãos internos agem como instigadores de sonhos.
(P.29) Contudo, não é só o órgão enfermo que pode ser fonte de sonhos. Basta saber que quando adormecemos, nossa mente se desvia do mundo exterior e dispensamos mais atenção no interior do corpo, então é plausível que os órgãos, mesmo que sadios, sejam fontes de sonhos.
(P.30) É quase impossível pensar em qualquer parte do organismo que não possa ser o ponto de partida de um sonho ou de um delírio.
(P.31) 4. Fontes psíquicas de estimulação.
Os homens sonham com aquilo que fazem durante o dia e com o que lhes interessa enquanto estão acordados. Tal interesse, transposto da vigília para o sono, seria não somente um vínculo mental, um elo entre os sonhos e a vida, como também nos proporciona uma fonte adicional de sonhos.
A soma dos estímulos sensoriais externos com as estimulações durante o dia podem explicar, em grande parte, os sonhos que sonhamos.
(P.33) D. Por que nos esquecemos dos sonhos após o despertar.
É fato que os sonhos desaparecem pela manhã. Naturalmente, alguns podem ser lembrados, mas com frequência o que sobra é só uma parcela do sonho, ou de que sonhamos, mas não lembramos o que. Muitas vezes lembramos que sonhamos, sem saber o que sonhamos.
Segundo Freud a explicação mais detalhada vem de Strumpell, que atribui o esquecimento não a uma única causa, mas a uma série delas.
Em primeiro lugar, todas as causas que levam ao esquecimento na vida em vigília, também explicam o esquecimento durante o sonho. Quando estamos acordados esquecemos aquilo que tenha sido fraco demais para nos excitar ou despertar sensações. O mesmo ocorre com o sonho. Mas isso por si só não explica.
(P.34) Diferente do que acreditamos nossos sonhos em geral são desordenados e sem sentido, sem uma ordem cronológica, sendo confuso e inteligível.
Além disso, após o despertar, o mundo dos sentidos exerce pressão e se apossa imediatamente da atenção de que tal forma que poucas imagens oníricas conseguem resistir.
E por fim, há outro fator, as pessoas em geral tem pouco interesse sobre seus próprios sonhos.
(P.35) De fato um sonho é muito difícil de recordar. Mesmo o narrador mais fiel e honesto preenche as lacunas do sonho com sua imaginação quando vai recordá-lo ou narrá-lo a outra pessoa. Tornando assim, coerente o que era incoerente.
Segundo Spitta, somente quando tentamos reproduzir um sonho é que introduzimos algum tipo de ordem em seus elementos frouxamente associados. Arrumamos o roteiro, transformamos em sequência, cadeias causais e conexões lógicas. Coisas que na realidade os sonhos não têm.
(P.36) E. As características psicológicas distintivas dos sonhos.
Fica claro que os sonhos são produtos de nossas próprias atividades mentais, mas o sonho em geral nos deixa a impressão de algo estranho a nós.
(P.37) Burdach encontra duas características que explicam esse estranhamento: a) nos sonhos, a atividade subjetiva de nossa mente aparece de forma objetiva, pois nossas faculdades perceptivas encaram os produtos de nossa imaginação como se fossem impressões sensoriais. B) o sono significa um fim de autoridade do eu. Daí o adormecimento trazer consigo certo grau de passividade (...). As imagens que acompanham o sono só podem ocorrer sob a condição de que a autoridade do eu seja reduzida.
(P.39) Contudo, apesar de não controlar o sonho, nós não nos surpreendemos com a falta de lógica apresentada pelo sonho. Em geral os sonhos não tem nenhuma lógica e mesmo assim, enquanto estamos sonhando, não ligamos para isso.
(P.42) os autores usados por Freud retratam o processo de formação do sonho da seguinte maneira: a totalidade dos estímulos sensoriais gerados durante o sono, a partir de várias fontes que enumerei, despertam na mente diversas representações que aparecem sob a forma de alucinações ou ilusões derivados dos estímulos internos ou externos. Essas representações vinculam-se de acordo com as conhecidas leis de associações e, de conformidade com as mesmas leis, convocam outra série de representações (ou imagens).  Todo esse material é então trabalhado pelo que ainda nos resta das faculdades mentais de organização e pensamento em ação. O que ainda não foi descoberto são os motivos que decidem se a convocação das imagens decorrentes de fontes não externas se processará por uma cadeia de associações ou por outra.
(P.45) F. O sentido moral nos sonhos.
Até que ponto as inclinações e sentimentos morais se estendem até a vida onírica? Alguns autores sustentam que não existe moralidade nos sonhos, outros alegam o contrário.
(P.46) Alguns autores alegam que os sonhos são desprovidos de moral, outros que, se você sonha com algo imoral é porque você é imoral, os sonhos apenas revelam quem você realmente é.
(P.48) Hildebrant diz que todo sonho imoral, tem sua origem em um pensamento imoral. Se sonhamos é porque em algum momento pensamos.
(P.51) G. Teorias do sonhar e de sua função.
Podemos dividir a teoria dos sonhos em três:
1) os que acreditam que a totalidade psíquica continua ativa nos sonhos. A mente, segundo ele, não dorme, e seu funcionamento continua o mesmo seja no estado de vigília, seja dormindo.
2) outros defendem que os sonhos surgem graças ao rebaixamento da atividade psíquica, o afrouxamento das conexões e o empobrecimento do material acessível. Esta é com certeza a teoria mais aceita entre os estudiosos.
(P.55) 3) Um terceiro grupo de teorias atribuem a mente, durante o sonho, uma capacidade de inclinação para desenvolver atividades psíquicas especiais de que, na vida de vigília, ela é total ou basicamente incapaz. É a opinião mais defendida por psicólogos antigos.
(P.59) H. A relação entre os sonhos e as doenças mentais.
Ao falarmos na relação entre os sonhos e os distúrbios mentais, devemos ter três coisas em mente:
1) as conexões etiológicas e clínicas, como quando um sonho representa um estado psicológico, ou introduz, ou é um remanescente dele;
2) as modificações a que esta sujeita a vida onírica nos caos de doença mental;
3) as ligações intrínsecas entre os sonhos e as psicoses, apontando analogias para o fato de ele serem essencialmente afins.
Com respeito às ligações clínicas e etiológicas entre os sonhos e as psicoses Hohnbaum relata que a primeira irrupção de insanidade delirante muitas vezes se origina num sonho de angústia ou terror, e que a ideia dominante está ligada ao sonho.
Existem muitos casos em que o paciente age normalmente durante o dia e sofra de psicopatia, paralisia, histeria, etc. durante a vida onírica.
(P.60) Devemos perceber que existe um parentesco muito próximo entre os sonhos e os distúrbios mentais, uma vez que segundo Radestock “o louco é uma espécie de sonhador acordado”.
 Referências:
FREUD, Sigmund. Interpretação dos Sonhos. 1. Ed. São Paulo. Folha de S. Paulo, 2010. P.09-63.


[1] Acordado.
[2] Onírico é um adjetivo masculino que faz referência aos sonhos, às fantasias, ao que não pertence ao chamado “mundo real”. Etimologicamente vem do grego óneiros, que quer dizer literalmente “sonho”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário