(P.09) A Interpretação dos Sonhos.
Cap. I: A literatura científica que
trata dos problemas dos sonhos.
Nas
próximas páginas Freud apresentará provas de que existe uma técnica psicológica
que torna possível interpretar os sonhos, e quando este procedimento é
empregado, todo sonho se revela como uma estrutura psíquica que tem um sentido
e pode ser inserida num ponto designável nas atividades mentais da vida de
vigília[1].
Freud
ainda tentará elucidar os processos a que se devem a natureza e a obscuridade
dos sonhos e deduzir os processos de natureza e força psíquica cuja ação
concomitante ou mutuamente oposta gera esses sonhos.
(P.10) Sem dúvida a
visão pré-histórica dos sonhos ecoou pela Antiguidade Clássica. Eles
acreditavam que o sonho era o mundo dos sobre-humanos e constituíam revelações
sobre deuses e demônios, sendo a principal finalidade do sonho prever o futuro.
Aristóteles
via o sonho não como uma manifestação sobrenatural, mas algo que seguia as leis
do espírito humano. Definindo o sonho como um atividade mental de quem dorme,
na medida em que esteja adormecido.
Antes
de Aristóteles, os antigos não consideravam o sonho como um produto da mente
que sonhava, mas como algo introduzido por uma entidade divina. Divididos em
sonhos verdadeiros (que preveem o futuro) e sonhos falsos (que surgiam para
confundir).
Essa
variação no valor dos sonhos causava confusão, sendo necessário surgir uma
maneira de interpretá-lo. Transformando um sonho inteligível em algo
compreensível e significativo.
(P.11) Freud lamenta
que o conhecimento sobre os sonhos tenha progredido tão pouco desde então.
Segundo ele não existe nenhum conhecimento edificado sobre esse tema e cada
novo autor que surge decide recomeçar o tema do zero.
(P.12) A. A relação dos sonhos com a
vida de vigília.
É
claro que se os nossos sonhos não vieram de outro mundo, pelo menos eles nos
transportam para lá. É o que acreditam alguns pensadores que afirmam serem os
sonhos uma válvula de escape do cotidiano em vigília.
Já
outros acreditam ser o sonho uma extensão do estado de vigília. O sonho não
liberta, mas sim é influenciado pela idade, sexo, classe, educação do sonhador.
O sonho possuí aquilo que o homem em estado de vigília já pensa.
(P.13) Para Hildebrant
o sonho é algo separado da vida em vigília, como uma espécie de abismo
intransponível, onde o que se sonha nada tem a ver com a realidade de quem
sonha. Alguém pode, muito bem, sonhar que navega até a ilha de Santa Helena e
degusta vinho com Napoleão. E esta pessoa jamais navegou, nunca foi a Santa
Helena, não bebe vinho e nem havia nascido quando Napoleão morreu.
(P.14) Por outro lado,
todo o material utilizado no sonho é retirado da realidade e da vida
intelectual de quem sonha. Qualquer que seja o sonho ele nunca pode se libertar
do mundo real. O sonhador do exemplo acima deveria saber, ao menos, que
Napoleão esteve exilado na ilha de Santa Helena.
B. O material dos sonhos – a memória nos
sonhos.
Todo
o material que compõe o conteúdo do sonho é derivado, de algum modo, da
experiência, ou seja, foi reproduzido e lembrado no sonho – isto é um fato
indiscutível.
Mas
é um erro pensar que a ligação entre o conteúdo de um sonho e a realidade seja
facilmente percebido pelo que sonha.
É
possível que surja no conteúdo do sonho, um material que no estado de vigília,
não reconheçamos como parte de nosso conhecimento ou experiência. Muitas vezes
o sonho alcança recordação que estavam além de nossa memória de vigília.
(P.17) Uma das fontes
de onde os sonhos retiram material para reprodução – material que, em parte,
não é recordado nem utilizado nas atividades de pensamento de vigília – é a da
infância.
(P.18) Contudo, os
sonhos em sua grande maioria são relacionados com os dois últimos dias.
Outra
característica surpreendente e menos compreensível da memória do sonho é
demonstrada na escolha do material reproduzido: na vida em vigília em geral
lembramos o que é mais importante, enquanto que nos sonhos nos lembramos também
do irrelevante e do insignificante.
(P.19) Muitas vezes o
insignificante domina os nossos sonhos.
(P.20) E isso é muito
relevante para o estudo da memória em geral, pois levanta a questão que “nada
que tenhamos possuído mentalmente uma vez pode se perder inteiramente” (Schola,
1890).
C. Os estímulos e as fontes dos sonhos.
Há
um ditado popular que diz “os sonhos decorrem da indigestão”. Ou seja, o sonho
seria uma perturbação do sono.
Então
acredita-se que o ato de sonhar é desencadeado por quatro tipos de estímulos,
que também são usados para classificar os sonhos: excitação sensorial externa
(objetiva), excitação sensorial interna (subjetiva), estímulos somáticos
internos (orgânicos) e fontes de estimulação puramente psíquica.
1. Estímulos sensoriais externos.
Quando
vamos dormir tentamos nos desligar do mundo exterior. O primeiro ato é fechar
os olhos (que é o nosso mais importante canal sensorial) e vamos pouco a pouco
nos desligando dos estímulos sensoriais externos, mas isso não é absoluto e a
qualquer momento um estímulo externo pode nos despertar. Então, já que o mundo
extracorporal pode ser sentido durante o sono, ele pode muito bem, através dos
estímulos sensoriais, tornar-se fonte de sonhos.
(P.22) O estímulo
externo sobre os sentidos humanos (tato, paladar, olfato, audição e visão)
podem influenciar o sonho.
(P.24) O estímulo que
incide sobre os sentidos durante o sono não aparece no sonho em sua forma real,
mas é substituído por outra imagem que, de algum modo, está relacionada com
ele. Exemplo, um despertador pode aparecer em um sonho como um sino de uma
igreja, guizos de um trenó, etc.
(P.25) Com base nos
estímulos sensoriais externos recebidos nosso cérebro assemelha e cria a
ilusão. Caso este estímulo seja duradouro, despertamos.
(P.26) 2. Excitações sensoriais internas
(subjetivas).
Juntamente
com os fatores externos temos as excitações sensoriais internas. Que são as
excitações internas dos órgãos dos sentidos, juntamente com os estímulos
sensoriais externos.
Como
fontes de imagens oníricas[2],
as excitações sensoriais subjetivas possuem a vantagem obvia de não dependerem,
como as objetivas, de circunstancias externas.
Essas
excitações são causadas por excitações subjetivas na retina, alucinações ou
fenômenos imaginativos.
(P.27) 3. Estímulos somáticos orgânicos
internos.
Aqui
Freud busca a fonte dos sonhos dentro do organismo e não mais fora dele.
(P.28) É evidente que
nossos órgãos quando doentes tornam-se fontes de excitação e estímulos para
todo o organismo. E esses estímulos internos podem ser tão influentes ao sonho
quanto os externos. Os distúrbios dos órgãos internos agem como instigadores de
sonhos.
(P.29) Contudo, não é
só o órgão enfermo que pode ser fonte de sonhos. Basta saber que quando
adormecemos, nossa mente se desvia do mundo exterior e dispensamos mais atenção
no interior do corpo, então é plausível que os órgãos, mesmo que sadios, sejam
fontes de sonhos.
(P.30) É quase
impossível pensar em qualquer parte do organismo que não possa ser o ponto de
partida de um sonho ou de um delírio.
(P.31) 4. Fontes psíquicas de
estimulação.
Os
homens sonham com aquilo que fazem durante o dia e com o que lhes interessa
enquanto estão acordados. Tal interesse, transposto da vigília para o sono,
seria não somente um vínculo mental, um elo entre os sonhos e a vida, como
também nos proporciona uma fonte adicional de sonhos.
A
soma dos estímulos sensoriais externos com as estimulações durante o dia podem
explicar, em grande parte, os sonhos que sonhamos.
(P.33) D. Por que nos esquecemos dos
sonhos após o despertar.
É
fato que os sonhos desaparecem pela manhã. Naturalmente, alguns podem ser
lembrados, mas com frequência o que sobra é só uma parcela do sonho, ou de que
sonhamos, mas não lembramos o que. Muitas vezes lembramos que sonhamos, sem
saber o que sonhamos.
Segundo
Freud a explicação mais detalhada vem de Strumpell, que atribui o esquecimento
não a uma única causa, mas a uma série delas.
Em
primeiro lugar, todas as causas que levam ao esquecimento na vida em vigília,
também explicam o esquecimento durante o sonho. Quando estamos acordados
esquecemos aquilo que tenha sido fraco demais para nos excitar ou despertar
sensações. O mesmo ocorre com o sonho. Mas isso por si só não explica.
(P.34) Diferente do que
acreditamos nossos sonhos em geral são desordenados e sem sentido, sem uma
ordem cronológica, sendo confuso e inteligível.
Além
disso, após o despertar, o mundo dos sentidos exerce pressão e se apossa
imediatamente da atenção de que tal forma que poucas imagens oníricas conseguem
resistir.
E
por fim, há outro fator, as pessoas em geral tem pouco interesse sobre seus
próprios sonhos.
(P.35) De fato um sonho
é muito difícil de recordar. Mesmo o narrador mais fiel e honesto preenche as
lacunas do sonho com sua imaginação quando vai recordá-lo ou narrá-lo a outra
pessoa. Tornando assim, coerente o que era incoerente.
Segundo
Spitta, somente quando tentamos reproduzir um sonho é que introduzimos algum
tipo de ordem em seus elementos frouxamente associados. Arrumamos o roteiro,
transformamos em sequência, cadeias causais e conexões lógicas. Coisas que na
realidade os sonhos não têm.
(P.36) E. As características
psicológicas distintivas dos sonhos.
Fica
claro que os sonhos são produtos de nossas próprias atividades mentais, mas o
sonho em geral nos deixa a impressão de algo estranho a nós.
(P.37) Burdach encontra
duas características que explicam esse estranhamento: a) nos sonhos, a
atividade subjetiva de nossa mente aparece de forma objetiva, pois nossas
faculdades perceptivas encaram os produtos de nossa imaginação como se fossem
impressões sensoriais. B) o sono significa um fim de autoridade do eu. Daí o
adormecimento trazer consigo certo grau de passividade (...). As imagens que
acompanham o sono só podem ocorrer sob a condição de que a autoridade do eu
seja reduzida.
(P.39) Contudo, apesar
de não controlar o sonho, nós não nos surpreendemos com a falta de lógica
apresentada pelo sonho. Em geral os sonhos não tem nenhuma lógica e mesmo assim,
enquanto estamos sonhando, não ligamos para isso.
(P.42) os autores
usados por Freud retratam o processo de formação do sonho da seguinte maneira:
a totalidade dos estímulos sensoriais gerados durante o sono, a partir de
várias fontes que enumerei, despertam na mente diversas representações que
aparecem sob a forma de alucinações ou ilusões derivados dos estímulos internos
ou externos. Essas representações vinculam-se de acordo com as conhecidas leis
de associações e, de conformidade com as mesmas leis, convocam outra série de
representações (ou imagens). Todo esse
material é então trabalhado pelo que ainda nos resta das faculdades mentais de
organização e pensamento em ação. O que ainda não foi descoberto são os motivos
que decidem se a convocação das imagens decorrentes de fontes não externas se
processará por uma cadeia de associações ou por outra.
(P.45) F. O sentido moral nos sonhos.
Até
que ponto as inclinações e sentimentos morais se estendem até a vida onírica?
Alguns autores sustentam que não existe moralidade nos sonhos, outros alegam o
contrário.
(P.46) Alguns autores
alegam que os sonhos são desprovidos de moral, outros que, se você sonha com
algo imoral é porque você é imoral, os sonhos apenas revelam quem você
realmente é.
(P.48) Hildebrant diz
que todo sonho imoral, tem sua origem em um pensamento imoral. Se sonhamos é porque
em algum momento pensamos.
(P.51) G. Teorias do sonhar e de sua
função.
Podemos
dividir a teoria dos sonhos em três:
1)
os que acreditam que a totalidade psíquica continua ativa nos sonhos. A mente,
segundo ele, não dorme, e seu funcionamento continua o mesmo seja no estado de
vigília, seja dormindo.
2)
outros defendem que os sonhos surgem graças ao rebaixamento da atividade psíquica,
o afrouxamento das conexões e o empobrecimento do material acessível. Esta é
com certeza a teoria mais aceita entre os estudiosos.
(P.55) 3) Um terceiro
grupo de teorias atribuem a mente, durante o sonho, uma capacidade de
inclinação para desenvolver atividades psíquicas especiais de que, na vida de
vigília, ela é total ou basicamente incapaz. É a opinião mais defendida por
psicólogos antigos.
(P.59) H. A relação entre os sonhos e as
doenças mentais.
Ao
falarmos na relação entre os sonhos e os distúrbios mentais, devemos ter três
coisas em mente:
1)
as conexões etiológicas e clínicas, como quando um sonho representa um estado
psicológico, ou introduz, ou é um remanescente dele;
2)
as modificações a que esta sujeita a vida onírica nos caos de doença mental;
3)
as ligações intrínsecas entre os sonhos e as psicoses, apontando analogias para
o fato de ele serem essencialmente afins.
Com
respeito às ligações clínicas e etiológicas entre os sonhos e as psicoses
Hohnbaum relata que a primeira irrupção de insanidade delirante muitas vezes se
origina num sonho de angústia ou terror, e que a ideia dominante está ligada ao
sonho.
Existem
muitos casos em que o paciente age normalmente durante o dia e sofra de
psicopatia, paralisia, histeria, etc. durante a vida onírica.
(P.60) Devemos perceber
que existe um parentesco muito próximo entre os sonhos e os distúrbios mentais,
uma vez que segundo Radestock “o louco é uma espécie de sonhador acordado”.
Referências:
FREUD, Sigmund. Interpretação dos Sonhos. 1. Ed. São Paulo. Folha de S. Paulo, 2010. P.09-63.
[1]
Acordado.
[2] Onírico é um adjetivo masculino que faz
referência aos sonhos, às fantasias, ao que não pertence ao chamado “mundo
real”. Etimologicamente vem do grego óneiros,
que quer dizer literalmente “sonho”.
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