quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Fichamento Revisado: Comunidades Imaginadas de Benedict Anderson.

Há alguns meses publiquei aqui no Blog um fichamento sobre o livro em questão. Após novas leituras decidi lançar um novo fichamento, que acredito, esteja melhor que o anterior. Espero que gostem.
Comunidades Imaginadas.
Introdução.
(P.26) Benedict Anderson inicia sua obra buscando compreender o porquê das Guerras entre Vietnã, Camboja e China entre1978 e 1979. A primeira guerra convencional em grande escala entre países socialistas e inegavelmente revolucionários, que em tese compartilhavam da mesma ideologia.
(P.27) É interessante notar que desde a Segunda Guerra Mundial todas as revoluções vitoriosas se definiram em termos nacionais – Republica Popular da China, República Socialista do Vietnã, etc – e, com isso se afirmaram solidamente em um espaço territorial e social herdado do passado pré-revolucionário.
(P.28) Hobsbawm afirma que os estados marxistas estão se tornando, nacionais e nacionalistas. E essa tendência não se restringe apenas ao mundo socialista. Todos os anos a ONU admite membros novos.  E muitas “nações antigas” consolidadas, veem-se desafiadas por “sub-nacionalismos” em seu próprio território, que sonham em se tornarem nações.
(P.29) Este livro pretende oferecer, a título de ensaio, algumas ideias para uma interpretação da anomalia do nacionalismo.
(P.30) O ponto de partida de Anderson é que tanto a nacionalidade (ou condição nacional), quanto o nacionalismo são produtos culturais específicos.
(P.31) Conceitos e Definições
(P.32) Ele considera dentro de um espírito antropológico a seguinte definição de nação: uma comunidade política imaginada – e imaginada como sendo intrinsecamente limitada e ao mesmo tempo soberana.
Ela é imaginada porque, mesmo os membros das mais minúsculas das nações jamais conhecerão, encontrarão ou nem sequer ouvirão falar de todos os seus companheiros (compatriotas) embora todos tenham em mente a imagem viva da comunhão entre eles. A única coisa que corrobora com a existência de uma nação, é o fato de que muitas pessoas se consideram parte desta nação.
Ou seja, é imaginada porque seus membros nunca conhecerão todos os demais. Contudo, na mente de cada indivíduo reside uma imagem de uma comunidade da qual ela faz parte. Em outras palavras, ainda que os limites de uma nação não existam empiricamente, seus membros são capazes de criar e imaginar tais fronteiras, criando e imaginando seus membros.
(P.33) Na verdade, qualquer comunidade maior que uma aldeia primordial, do contato face a face, é imaginada. Até mesmo ela.
Imagina-se a nação como limitada, porque até mesmo a maior delas (que suponhamos possua um bilhão de habitantes) possui fronteiras finitas, ainda que elásticas. Nenhuma nação imagina ter a mesma extensão da humanidade. Nem os nacionalistas mais messiânicos sonham com o dia em que todos os membros da espécie humana se unirão à sua nação.
Isso é evidente, uma vez que pensamos a nação como critério de distinção entre grupos e comunidades.
(P.34) Imagina-se a nação soberana por que o conceito nasceu na época em que o Iluminismo e a Revolução estavam destruindo a legitimidade do reino dinástico hierárquico da ordem divina. Amadurecendo em uma época em que mesmo os adeptos mais fervorosos de qualquer religião se depararam com o pluralismo de religiões no mundo. Notando então que a única maneira de serem livres é serem soberanas sobre um pedaço determinado de terra.
E por último ela é imaginada como uma comunidade por que independente da desigualdade e da exploração que possam existir dentro dela, a nação sempre é concebida como uma profunda camaradagem horizontal. No fundo foi essa fraternidade que tornou possível, nestes últimos dois séculos, que tantos milhões de pessoas matassem e morressem por essas criações imaginárias e limitadas.
Essas mortes nos levam a pensar no problema central posto pelo nacionalismo: o que faz com que parcas criações imaginativas de pouco mais de dois séculos gerem sacrifícios tão descomunais? A resposta está nas raízes culturais do nacionalismo.
(P.35) Cap. 1: Raízes Culturais.
Em seu primeiro capítulo Benedict Anderson apresente as três bases históricas sobre as quais foi possível a concepção de uma nação imaginada: o declínio das linguagens sagradas das grandes religiões, o declínio dos Reinos Dinásticos e o desenvolvimento de uma consciência de compartilhamento temporal.
Não existem símbolos mais impressionantes da cultura moderna do nacionalismo do que os cenotáfios[1] e o túmulo do soldado desconhecido. Contudo, estes túmulos vazios estão carregados de imagens nacionais espectrais.
(P.36) Se o nacionalismo se importa tanto com a morte e a imortalidade, isso sugere sua grande afinidade com os imaginários religiosos. Com isso vale a pena começar a avaliar as raízes do nacionalismo pela morte, o último elemento de uma série de fatalidades. A morte, assim como a herança genética pessoal, nosso sexo, a época em que vivemos, nossas capacidades físicas, língua-materna, etc são fatores contingentes e inelutáveis.
(P.37) O grande mérito das religiões (fora seu papel na legitimação do sistema de dominação e exploração) é a sua preocupação com o homem no universo. Ela tenta explicar o porquê. A religião se interessa pelos vínculos entre os mortos e os ainda não nascidos.
(P.38) O século XVIII na Europa marca o amanhecer do nacionalismo e o anoitecer do pensamento religioso. A religião declinou, mas o sofrimento que ela ajudava a apaziguar não desapareceu.
Admite-se que os estados nacionais são “novos” e “históricos”, ao passo que as nações ao qual elas dão expressão política sempre assomam de um passado imemorável, seguindo a um futuro ilimitado. É a magia do nacionalismo que transforma o acaso em destino.
(P.39) Anderson não está sugerindo que o nacionalismo tenha substituído à religião. O que ele está fazendo é alinhando o nacionalismo, não a ideologias políticas conscientemente adotadas, mas a sistemas culturais. Religião e nacionalismo foram estruturados de forma a serem incontestáveis.
(P.40) A Comunidade Religiosa.
Todas as comunidades clássicas se consideravam cosmicamente centrais, através de uma língua sagrada ligada a uma ordem supra-terrena de poder. Essas comunidades clássicas ligadas por línguas sagradas tinham o caráter diferente das comunidades imaginadas das nações modernas: a confiança no sacramento único de usas línguas e daí a aceitação de novos membros.
O árabe para os muçulmanos, o latim para os cristãos e o mandarim para os budistas. Apesar de estas serem línguas mortas para a maioria de seus seguidores, elas funcionavam como símbolos para todos. Unindo fiéis de regiões diferentes sob os signos do árabe, do mandarim e do latim. Uma vez aprendido os símbolos, independente da região e da língua nativa, a pessoa era aceita naquela religião.
Aos poucos, graças ao encontro com outras religiões, começou-se a desconfiar da existência de um texto sagrado que poderia ser assumido como a “verdade”.
Diversas mudanças na religião propiciaram a crença de que o nacionalismo era a solução secular (que não diz respeito aos dogmas da igreja), para a continuidade do que era respondido anteriormente pela fé.
Esse declínio da dominação da religião levou a expansão da utilização das linguagens seculares no século XVI, e o declínio das linguagens tidas sagradas. Em especial o Latim na Europa. Como consequências, as comunidades perderam a confiança na sacralidade de um determinado idioma.
(P.47) O Reino Dinástico.
(P.48) Hoje em dia, talvez seja difícil sentir empatia com um mundo onde o reino dinástico apareça como único sistema “político” viável. Pois, a monarquia contraria todas as concepções modernas da vida política. A realeza opera tudo de um centro elevado, tem sua legitimidade por via divina e não da população, que é composta por súditos e não por cidadãos.
Hoje o Estado opera sobre cada centímetro quadrado de um território legalmente demarcado. Mas antigamente os Estados eram definidos por centros, com fronteiras porosas e indistintas. Daí o paradoxo da facilidade com que esses reinos pré-modernos conseguiram manter seu domínio sobre populações heterogêneas por longo tempo.
Devemo-nos lembrar de que esses antigos Estados se expandiam não só pela guerra como também por uma política sexual de casamentos entre dinastias.
Contudo, assim como a crença nas línguas sagradas, ocorreu neste mesmo período o fim da crença de que as sociedades eram naturalmente organizadas ao redor de uma monarquia central e legitimada por um poder divino.
(P.51) Percepções Temporais.
Contudo, é um erro pensar que comunidades imaginadas das nações teriam simplesmente surgido a partir das comunidades religiosas e dos reinos dinásticos substituindo-as.
(P.52) Por sob o declínio das comunidades, línguas e linhagens sagradas estava ocorrendo uma transformação nos modos de compreender o mundo, que possibilitou “pensar a nação”.
(P.56) A ideia de um organismo sociológico atravessando cronologicamente um tempo vazio e homogêneo é a analogia de nação, que também é concebida como uma comunidade sólida percorrendo constantemente a história, seja em sentido ascendente ou descendente.
Ou em outras palavras, desenvolveu-se uma ideia de que os fatos, ainda que ocorridos em locais diferentes, podem ligar as pessoas que neles estão envolvidas, criando uma consciência de compartilhamento temporal na medida em que tudo co-existe.
(P.57) Um americano nunca vai conhecer, e nem sequer saber o nome dos 240 milhões de compatriotas. Ele não têm ideia do que estão fazendo a cada momento. Mas tem plena confiança na atividade constante, anônima e simultânea deles.
(P.69) Recapitulando, Anderson sustenta que a própria possibilidade de imaginar a nação só surgiu historicamente quando, e onde, três concepções culturais fundamentais perderam o domínio sobre a mentalidade do homem.
A primeira é a ideia de que uma determinada língua escrita oferece acesso privilegiado à verdade ontológica.
A segunda é a crença de que a sociedade se organiza naturalmente em torno e abaixo de centros elevados (monarcas que governavam por graça divina).
O terceiro é uma concepção da temporalidade em que a cosmologia e a história se confundem, e as origens do mundo dos homens são essencialmente as mesmas.
O declínio lento e irregular dessas convicções mutualmente entrelaçadas, primeiro na Europa Ocidental e depois em outros lugares, sob o impacto da transformação econômica, das descobertas sociais e científicas e do desenvolvimento de meios de comunicação cada vez mais velozes, levou a uma brusca clivagem entre cosmologia e história.
(P.70) Desse modo, não admira que se iniciasse a busca de uma nova maneira de unir significativamente a fraternidade, o poder e o tempo. O elemento que mais catalisou e fez frutificar essa busca foi o capitalismo editorial, que permitiu que as pessoas, em números sempre muito maiores, viessem a pensar sobre si mesmas e a se relacionar com as demais de maneiras radicalmente novas.
(P.71) Cap.2: As Origens da Consciência Nacional.
A imprensa foi determinante para a criação de ideias inteiramente novas sobre a simultaneidade. E a nação se tornou tão popular dentro deste tipo de comunidade principalmente graças ao capitalismo.
(P.73) Pois, sendo a gráfica uma empresa capitalista ela buscava cada vez mais mercado e imprimia mais e mais livros.
(P.75) Três foram os fatores vernaculizantes[2] do capitalismo: Primeiro, a mudança do próprio latim. Segundo, o impacto da Reforma e dos atos de Martinho Lutero. A aliança entre o protestantismo e o capitalismo editorial, explorando edições populares baratas, logo criou novos e vastos públicos leitores, entre eles comerciantes e mulheres que sabiam pouco ou quase nada de latim. E o terceiro, foi à difusão lenta, geograficamente irregular de determinados vernáculos como instrumento de centralização administrativa. (P.76) A fragmentação da Europa pós-fim do Império Romano significava que nenhum soberano poderia monopolizar o latim (como os imperadores chineses faziam com o mandarim) e converte-lo em sua língua oficial, já que o latim não era centralizado.
(P.82) Podemos resumir que a convergência do capitalismo e da tecnologia da imprensa sobre a fatal diversidade da linguagem humana criou a possibilidade de uma nova forma de comunidade imaginada, a qual, em sua morfologia básica, montou o cenário para a nação moderna.
Resumindo: o capitalismo editorial é constituído da união do capitalismo com a tecnologia de imprensa. Essa união criou as bases para a homogeneidade das diversas línguas humanas. Esta homogeneidade criou as fronteiras linguísticas e cognitivas, que posteriormente vieram a se consolidar como os alicerces das nações modernas.
(P.84) Cap. 3: Pioneiros Crioulos[3].
Em primeiro lugar, quer se pense no Brasil, nos EUA ou nos países hispânicos, a língua não era um elemento que os diferenciasse das respectivas metrópoles imperiais. Todos, inclusive os EUA, eram estados crioulos, formados e liderados por gente que tinha a mesma língua e a mesma ascendência do adversário a ser combatido. (P.85) Na verdade, cabe dizer que a língua nunca se colocou como questão impeditiva nas primeiras lutas de libertação nacional.
Em segundo lugar, boa parte do hemisfério ocidental não segue a tese de Nairn de que o “nacionalismo moderno esteve ligado ao batismo político das classes inferiores pela classe média descontente que tentava canalizar as energias populares em favor de novos estados”. Pelo menos na América Central e do Sul, a “classe média” ao estilo europeu era insignificante no século XVIII.
(P.86) Longe de tentar conduzir as “classes inferiores à vida política” a elite tinha medo dela. Ainda era fresca a lembrança das revoltas de Tupac Amarú no Perú e de Toussaint L’Ouverture no Haiti.
(P.87) Os movimentos Latino-Americanos pela independência eram de “pouca espessura social” e no entanto eram movimentos de independência social.
(P.88) Eis que surge o enigma: por que foram precisamente as comunidades crioulas que desenvolveram concepções tão precoces sobre sua condição nacional, bem antes que a maior parte da Europa? Por que essas colônias, geralmente com grandes populações oprimidas e que não falavam o espanhol, geraram crioulos que redefiniram conscientemente essas populações como integrantes de uma mesma nacionalidade e a Espanha como inimigo estrangeiro? Por que o império Hispano-americano que havia existido serenamente por quase três séculos se fragmentou em dezoito Estados diferentes?
Os dois fatores geralmente apresentados são, o aumento do controle madrilenho e a difusão das ideias do iluminismo.
(P.89) A vitória das 13 colônias (1770) e o inicio da Revolução Francesa (1789) também exerceram vigorosa influência.
(P.90) Essas explicações, apesar de importantes, não explicam por que Chile, Venezuela e México se mostraram emocionalmente plausíveis e politicamente viáveis, e nem por que San Martín disse que certos aborígenes deviam ser identificados como “peruanos”. Também não explica os sacrifícios feitos, pois muitas pessoas perderam propriedades e até mesmo a vida nessa empreitada.
(P.91) A moldagem inicial das unidades administrativas americanas foi, em certa medida arbitrária e fortuita. E a falta de comunicação entre elas possibilitou a fragmentação.
Além disso, a política comercial de Madri fez com que as unidades administrativas se transformassem em zonas econômicas distintas. Sendo ainda o comércio entre elas proibido.
(P.92) Para entender como as unidades administrativas puderam, ao longo do tempo, serem vistas como terras pátrias, não só nas Américas, mas também em outras partes do mundo, é preciso observar de que modo às organizações administrativas criam significado.
(P.93) Durante o período das religiões, a amplitude geográfica de uma religião era determinada pela peregrinação que estes fiéis faziam para Roma, Meca ou Benares. Em Meca encontravam-se pessoas das mais distantes regiões da África, Ásia e Europa o que dava a ideia do alcance do islamismo e a sua amplitude geográfica.
(P.94) Com a ascensão das monarquias absolutistas e a tentativa destes reis de unificar o reino que era fragmentado pela nobreza feudal, outro tipo de viagem surgiu para demarcar o território. O mensageiro real, como funcionário publico que viajava todo o território demarcando-o conforme o alcance de suas viagens.
(P.95) A intercambialidade dos documentos, que reforçava a intercambialidade dos homens, foi alimentada pelo desenvolvimento de uma língua oficial padronizada. Qualquer língua escrita em princípio, serviria para essa função, como mostra a pomposa sucessão, entre os séculos XI e XIV, do anglo-saxão, latim, normando e médio-inglês em Londres. Com a vernaculatização da língua houve um aumento da centralização, impedindo que funcionários de Madri intercambiassem com os de Paris por exemplo. Sendo a expansão ultramarina europeia uma extensão fracassada deste modelo.
A tendência absolutista de promover os funcionário mais pelo mérito do que pelo berço não foi efetiva nas colônias. Dos 170 vice-reis somente 4 eram crioulos.
(P.97) Além de barrarem suas peregrinações. Se um funcionário espanhol podia andar todo o continente americano, o funcionário crioulo ficava restrito ao seu território. Seus movimentos laterais eram restritos, assim como sua ascensão vertical.
(P.100) Indiretamente, o Iluminismo também ajudou a cristalizar uma distinção irreversível entre metropolitanos e crioulos. Os textos de Rousseau e Herder de que o clima e a ecologia tinham um impacto decisivo sobre a formação da cultura e do caráter, afastou ainda mais metropolitanos e crioulos que eram tidos como selvagens e inadequados para cargos mais elevados.
(P.101) Até aqui, dedicamos nossa atenção aos mundos dos funcionários da América, que apesar de importantes eram em dimensões muito reduzidas.
A peregrinação dos vice-reis não teria nenhuma consequência enquanto a extensão territorial não pudesse ser imaginado como nação e isso só se deu com o surgimento do capitalismo tipográfico.
(P.102) A imprensa chegou cedo à Nova Espanha, mas durante dois séculos ficou sobre rígido controle da Coroa e da Igreja. Na América do Norte a imprensa nem existia, mas no século XVIII houve uma revolução tipográfica nos EUA.
Benjamim Franklin está intimamente ligado ao nacionalismo crioulo na América do Norte. Contudo, deve-se entender que a imprensa só se desenvolveu nos EUA quando os tipógrafos descobriram uma nova forma de renda – o jornal! Na América Espanhola ocorreram processos semelhantes, contudo de modo mais lento.
(P.103) No início estes jornais eram meramente informativos (datas de chegada e partida de navios, preços vigentes, casamentos, decretos, etc). Foi só uma questão de tempo até aparecerem elementos políticos.
(P.104) Um traço marcante desses jornais era o seu caráter local. E não existia a ideia de simultaneidade entre as diversas regiões do império espanhol. Um mexicano poderia receber informações sobre os fatos ocorridos em Buenos Aires, e estes fatos lhe parecerem “semelhantes” mas não “partes” integrantes deles.
Nesse sentido, o “malogro” da experiência hispano-americana e, criar um nacionalismo para toda região reflete o nível de desenvolvimento capitalista e tecnológico do século XVIII e o atraso “local” do capitalismo e da tecnologia espanhola na administração do império.
(P.105) Os crioulos norte-americanos estavam numa situação mais favorável para concretizar a ideia de “América”. As 13 colônias eram relativamente pequenas e seus centros estavam em dinâmica comunicação, além de haver traços bastante fortes entre seus respectivos habitantes, tanto pela imprensa quanto pelo comércio. Sem contar que o avanço para o oeste foi feito por pessoas do leste.
(P.106) O que Benedict Anderson quis explicar neste capitulo, foi que, diferente do senso comum que acredita ter sido o liberalismo e o iluminismo os responsáveis pelo surgimento da ideia de nação, foram os funcionário-peregrinos e a imprensa com seu capitalismo editorial os principais responsáveis.
(P.107) Cap. 4: Velhas línguas, novos modelos.
O final da era dos movimentos vitoriosos de libertação nacional nas Américas coincidiu com o inicio da era do nacionalismo que entre 1820 e 1920, mudaram a face do Velho Mundo, dois traços notáveis os diferenciam de seus predecessores.
1° Línguas impressas nacionais: Elas foram de fundamental importância ideológica e política (enquanto o espanhol e o inglês nunca foram questões relevantes na América revolucionária).
2° Todos eles funcionaram a partir de modelos deixados por seus antecessores.
Foi assim que na Europa a “nação” se tornou objeto de aspiração consciente a ser buscado, e não uma perspectiva de mundo que ganhou foco aos poucos. Assim veremos que nação foi uma invenção sem patente copiada e reproduzida várias e várias vezes.
Neste capítulo o objeto de análise será a língua impressa e sua “cópia” pirata.
(P.108) A ideia de língua como propriedade privada de uma nação teve enorme influência na Europa oitocentista e na teorização do nacionalismo.
(P.109) Se durante a Idade Média o homem era incapaz de conceber a distância temporal entre sua época (que ele acreditava ser o fim das eras, pois o Apocalipse era algo iminente) e a Idade Antiga do Novo e do Velho Testamento. Neste momento surgiu a “história comparada” que levou à concepção inédita de “modernidade” que era contraposta à “antiguidade”.
Durante o século XVI, a “descoberta” europeia de civilizações grandiosas (China, Japão, Índia) e do México Asteca e do Peru Incaico, mostrou um irremediável pluralismo humano. De modo geral essas civilizações tinham se desenvolvido autonomamente da Europa, da cristandade, da Antiguidade e até mesmo do homem: pois suas genealogias não remetiam ao Éden. Apenas o tempo vazio e homogêneo lhes ofereceu acomodação.
(P.110) Com efeito, os descobrimentos e as conquistas tornaram possível pensar a Europa como apenas uma entre muitas civilizações, além de provocar uma revolução nas ideias europeias sobre as línguas.
(P.111) Com o estudo comparado das línguas, acabou-se com a ideia de que o hebreu era a única língua antiga ou que possuía origem divina. A partir daí, as antigas línguas sagradas (latim, grego e hebreu) foram obrigadas a se misturar em pé de igualdade com a vastidão de línguas plebeias que agora eram rivais no mercado editorial. Se todas as línguas eram mundanas todas mereciam estudo e admiração. Mas de quem? Logicamente, de seus novos donos, os falantes e leitores nativos de cada língua, pois agora nenhuma pertencia a Deus.
(P.112) Segundo Seton-Watson o século XIX na Europa, foi o século dos linguistas – de todas as áreas. Estes intelectuais foram fundamentais para a formação do nacionalismo europeu com a criação de seus dicionários monolíngues que eram o tesouro de cada língua. Já os dicionários bilíngues colocavam em pé de igualdade todas as línguas.
(P.117) É claro que todos esses lexicógrafos, filólogos, gramáticos, folcloristas, jornalistas e compositores não desenvolviam suas atividades revolucionárias no vazio. (P.118) Afinal produziam para o mercado editorial e assim para o publico consumidor. Contudo o numero de letrados naquela época era pequeno.
Na metade do século XIX, a Europa aumentou seus gastos públicos. Em alguns países em mais de 90%. A expansão burocrática criou mais vagas no Estado e agregou classes sociais muito variadas. Criando uma grande classe média burocrática em quase todos os países europeus.
(P.119) Já o surgimento de uma burguesia mercantil e industrial foi algo extremamente irregular.
Benedict Anderson considera a burguesia como a primeira classe a construir uma solidariedade a partir de uma base essencialmente imaginada. Diferente da nobreza que necessitava se casar para estreitar laços com outros nobres, a burguesia era ligada apenas por acordos. Os burgueses não precisavam se conhecer, nem casar seus filhos. Mas enxergavam a existência de milhares e milhares e outros parecidos com eles, através de uma língua impressa, já que uma burguesia iletrada e quase impossível.
(P.123) Com o aumento da alfabetização, por toda parte ficou mais fácil granjear apoio popular, as massas descobrindo uma nova glória na consagração das línguas que elas sempre, humildemente haviam falado.
Até certo ponto a formulação de Nairn é correta: de que a “nova intelectualidade de classe média do nacionalismo tinha de convidar as massas para a história; e o convite deveria ser feito numa língua que eles entendessem”.
Mas por que o convite foi tão atraente e por que alianças tão diferentes puderam enviá-los. Para responder veremos a questão da “cópia pirata”.
(P.127) Cap. 5: Imperialismo e Nacionalismo Oficial.
No decorrer do século XIX, a revolução filológica-lexicográfica e o surgimento de movimentos nacionalistas na Europa, frutos não só do capitalismo mas da elefantíase dos estados dinásticos criaram várias dificuldades culturais e políticas para muitas dinastias dominantes que não tinham nacionalidade.
(P.128) Na Europa continental, parentes de uma mesma família dinásticas governavam estados diferentes e até rivais. Que nacionalidade poderíamos atribuir aos Bourbon na França e na Espanha, aos Hohenzollern na Prússia e na Romênia, aos Wittelhach na Bavária e na Grécia?
Vimos também que estas dinastias escolheram como línguas vernáculas oficiais as mais convenientes para elas.
Contudo na Europa existia a convicção de que as línguas eram propriedades pessoais de grupos muito específicos e que esses grupos imaginados como comunidades, tinham o direito de ocupar uma posição autônoma dentro de uma confraria de iguais.
(P.131) A chave para situar o “nacionalismo oficial” – fusão deliberada entre a nação e o império dinástico – é lembrar que ele se desenvolveu depois, e em reação aos movimentos nacionais populares que proliferavam na Europa desde 1820. Se esses nacionalismos tinham se modelado pelas histórias americana e francesa, agora se tornavam modulares. Bastava apenas um certo truque para que o império se tornasse um travesti nacional atraente.
Para tal analise, Anderson analisa três casos diferentes de “nacionalismo oficial”, o Russo, o Inglês e o Japonês.
(P.160) Concluindo, sustentamos que, a partir do século XIX dentro da Europa desenvolveram-se “nacionalismos oficiais”. Nacionalismos historicamente “impossíveis” antes do surgimento de nacionalismos linguísticos populares, pois no fundo, foram reações dos grupos de poder, sobretudo dinásticos e aristocráticos – ameaçados de exclusão ou marginalização nas comunidades imaginadas populares.
(P.161) Tais nacionalismos oficiais eram políticas conservadoras, para não dizer reacionárias, adaptadas do modelo dos nacionalismos populares, em larga medida espontâneos, que os precederam.
Em nome do imperialismo, muitos políticas parecidas foram implantadas pelos mesmos tipos de grupos nos vastos territórios asiáticos e africanos no decorrer do século XIX.
Por fim, vimos que refratados em culturas e histórias não europeias, eles foram adotados e imitados por grupos dirigentes nativos nas poucas áreas (Japão e Sião) que escaparam da sujeição direta.
(P.163) Cap. 6: A Última Onda.
A Primeira Guerra Mundial trouxe ao fim a era das grandes dinastias. Em 1922, os Habsburgos, os Hobenzollern, os Romanov e os Otomanos tinham acabado. A partir daí, a nome internacional era o Estado Nacional, de modo que mesmo as potências imperiais restantes compareciam à Liga das Nações em trajes nacionais e não mais em uniformes imperiais como nas época do Congresso de Berlim.
Após a II Guerra a maré de Estados Nacionais atingiu seu auge. E em 1970 até o império português havia se tornado coisa do passado.
Os novos estados do segundo pós-guerra têm sua próprias características, que seriam incompreensíveis a não ser como sucessores dos modelos que abordamos anteriormente.
(P.164) Os novos “nacionalismos coloniais” são semelhantes aos nacionalismos coloniais de épocas anteriores pelo isomorfismo, entre a extensão territorial de cada nacionalismo e a extensão territorial da unidade administrativa imperial anterior.
A semelhança não é mera coincidência pois, está relacionada com a geografia das peregrinações nacionais anteriores.
(P.165) Lembremos que no século XVII, a unidade administrativa imperial adquiriu um significado nacional em parte por que ela circunscrevia a ascensão dos funcionário públicos. O mesmo vale para o século XX.
Contudo, em fins do século XIX e sobretudo no XX, essas viagens já não eram feitas apenas por alguns viajantes, e sim por enormes multidões graças a três fatores:
(P.166) 1°: Desenvolvimento e aprimoramento dos transportes. 2°: A “russificação” imperial tinha o seu lado prático, além do lado ideológico. O enorme tamanho dos impérios europeus impossibilitava a contratação de funcionários públicos apenas oriundos da metrópole. Sendo necessário contratar entre os colonos. 3°: Houve uma difusão do ensino moderno, não só do Estado Colonial, mas também particulares, religiosos e leigos. Essa expansão se deu para completar os cargos públicos coloniais e pelo entendimento do colono de que o conhecimento é importante.
(P.167) De modo geral, concorda-se que as camadas intelectuais foram fundamentais para o surgimento do nacionalismo nos territórios coloniais. Uma vez que era impedido aos nativos desempenha funções realmente rentáveis.
(P.170) Um traço interessante desta intelectualidade nacionalista da colônia era sua juventude. Os intelectuais eram compostos, sobretudo, da primeira geração numericamente significativa a receber educação europeia.
(P.197) Revisando: a última onda do nacionalismo ocorreu em sua maioria nos territórios colonizados da África e da Ásia e foi uma reação ao novo tipo de imperialismo mundial, possibilitado pelas realizações do capitalismo industrial.
O nacionalismo oficial (solda entre o novo princípio nacional e o velho principio dinástico) levou a russificação nas colônias extra-européias. Os impérios se tornaram muito extensos para serem governados por nacionais então criaram escolas para educar os nativos e formar quadros de subordinados especializados para o Estado e para as empresas. Esses sistemas educacionais criaram novos tipos de peregrinação (a estudantil) e o entrosamento entre os estudantes peregrinos criou a base territorial para o surgimento de novas comunidades imaginadas, onde os nativos puderam se imaginar como nacionais.
(P.199) Cap. 7: Patriotismo e Racismo.
Nos capitalismos anteriores Benedict Anderson tentou delinear os processos pelos quais a nação veio a ser imaginada, modelada, adaptada e transformada. Agora é a hora de explicar porquê das pessoas se disporem a morrer por tais invenções.
Numa época em que é tão comum que intelectuais cosmopolitas e progressistas insistam no caráter quase patológico do nacionalismo, nas suas raízes encravadas no medo e no ódio do outro e nas afinidades com o racismo, cabe lembrar que as nações inspiram amor, e em um amor de profundo auto sacrifícios.
(P.200) Os frutos culturais do nacionalismo (poesia, monumentos, musicas) mostram esse amor com clareza. Sendo muito difícil encontrar elementos de ódio e de desprezo.
(P.202) A ideia de sacrifício supremo vem apenas como uma ideia de pureza, através da fatalidade. Morrer pela pátria, assume uma grandeza moral que não se pode comparar por morrer pelo Partido Trabalhista, ou pela Associação Médica Americana, pois estão são entidades nas quais pode-se ingressar e sair a vontade. A grandeza de morrer pela Revolução também deriva do grau de sentimento de que ela é algo fundamentalmente puro.
(P.203) Aqui voltamos à língua.
1° Nota-se o caráter primordial da língua, mesmo as sabidamente modernas. Ninguém é capaz de dizer a data em que nasce uma língua. Todas se avultam imperceptivelmente de um passado sem horizonte. Assim, as línguas se mostram mais enraizadas do que praticamente qualquer outra coisa e é ao mesmo tempo, o que nos liga afetivamente ao mortos.
2° Existe um tipo específico de comunidade contemporânea que apenas a língua é capaz de sugerir. Tomemos o exemplo dos hinos nacionais. Por mais banal que seja a letra e medíocre a melodia, há nesse canto uma experiência de simultaneidade. Precisamente neste momento, pessoas totalmente desconhecidas entre si pronunciam os mesmo versos seguindo a mesma música.
(P.208) Nairn se enganou ao dizer que o racismo e o antissemitismo derivam do nacionalismo.
O fato é que o nacionalismo pensa em termos de destinos históricos, ao passo que o racismo sonha com contaminação eternas, transmitidas desde as origens dos tempos por uma sequencia interminável de cópulas abomináveis: fora da história. Os negros devido à nodoa invisível do sangue, serão sempre negros; os judeus devidos ao sêmen de Abraão, serão sempre judeus.
(P.209) Os sonhos do racismo têm, na verdade, a sua origem nas ideologias de classe, e não nas de nação: sobretudo nas pretensões de divindade entre os dirigentes e nas pretensões de “linhagem” e de “sangue azul” ou “branco” entre os aristocratas.
(P.210) Onde o racismo se desenvolveu fora da Europa no século XIX, sempre esteve associado com a dominação europeia por duas razões. 1° Por causa do nacionalismo oficial e do processo de russificação colonial. 2° O império colonial, com seu aparato burocrático e suas políticas “russificantes” permitiu a muitos burgueses se fazerem aristocratas fora da corte central.
(P.216) Cap. 8: O Anjo da História.
Começaremos este breve capitulo com as guerras entre as republicas socialistas do Vietnã, Camboja e China.
(P.222) Como foi dito anteriormente e se encaixa perfeitamente neste caso os revolucionários vietnamitas, cambojanos e chineses, assim que conquistam o Estado, fazem uso de todas a estrutura já existente em seu favor assim como o nacionalismo que já existia. A guerra entre eles foi uma guerra de chancelaria.
(P.226) Cap. 9: Censo, Mapa e Museu.
Na edição original deste livro, Anderson escreveu que “nas políticas de construção da nação dos novos Estados vemos um grande entusiasmo nacionalista popular através dos meios de comunicação, da educação, da administração, e assim por diante”.
O que o autor supunha em sua visão limitada daquela época era que o nacionalismo oficial dos mundos colonizados da África e da Ásia vinham diretamente modelados sobre o nacionalismo oficial dos estados dinásticos europeus do século XIX.
Contudo, ele percebeu que a genealogia próxima deveria ser buscada na criação da imagem do Estado Colonial.
(P.227) Por isso, para entender melhor iremos estudas 3 instituições de poder: o censo, o mapa e o museu. Que Anderson ressalta o fato de como elas moldaram a forma como as potências coloniais viam e tentavam manter o controle sobre suas colônias.
(P.222) O Censo.
A ideia fictícia do censo é que todos estão presentes nele, e que todos ocupam um – e apenas um – lugar extremamente claro e sem frações. Essa é uma maneira de criar imagens, adotada pelo Estado colonial tinha origens muito anteriores às do censos dos anos 1870.
(P.236) O Mapa.
Aos poucos localidades como Cairo e Meca deixaram de ser vistas somente como simples localidades numa geografia muçulmana e passaram a ser pontos em folhas de papel que incluíam outros pontos como Caracas, Paris e Moscou. A relação plana entre estes pontos não tinham relação com a importância real destes lugares e sim determinadas matematicamente.
(P.246) O Museu.
O museu e a imaginação museológica são profundamente políticos. Tentando criar uma imagem gloriosa junto à população do novo Estado.
(P.253) Assim, mutuamente interligados, censo, mapa e museu iluminam o estilo do pensamento do Estado colonial tardio em relação a seus domínios. A “urdidura” desse pensamento era uma grade classificatória totalizante que podia ser aplicada com uma flexibilidade ilimitada a qualquer coisa sobre o controle real ou apenas visual do Estado: povos, regiões, religiões, línguas, objetos produzidos, monumentos, etc. O efeito dessa grade era sempre poder dizer que tal coisa era isso e não aquilo, que fazia parte disso e não daquilo. Essa coisa qualquer era delimitada, determinada e, portanto, enumerável.
(P.256) Cap. 10: Memória e Esquecimento.
Espaço: Novo e Velho.
New York, Nueva Leon, Nouvelle Orléans, Nova Lisboa, Nieuw Amsterdam. Já no século XVI, os europeus tinham começado a adotar o estranho hábito de denominar lugares remotos, primeiro nas Américas e na África, depois na Ásia, Austrália e Oceania, como “novas” versões de “velhos” topônimos em suas terras de origem. Além disso, eles mantiveram a tradição mesmo em lugares que passaram para outros senhores imperiais, de modo que Nouvelle Orléans se tornou New Orleans e Nieuw Zeeland para New Zeland.
(P.257) O que é interessante nos nomes americanos dos séculos XVI a XVIII “novo” e “velho” eram entendidos sincronicamente, coexistindo dentro do tempo vazio e homogêneo. Vizcaya ao lado de Nueva Vizcaya, New London ao lado de London: o que mais indica rivalidade entre irmãos do que uma sucessão hereditária.
Essa inédita novidade sincrônica só podia surgir historicamente quando houvesse grupos consideráveis de pessoas em condições de se conceberem vivendo vidas paralelas às de outros grupos consideráveis de gente. Entre 1500 e 1800, a construção de navios e os avanços tecnológicos tornou possível a criação destas imagens. Pois a pessoa poderia morar no planalto peruano, nos pampas argentinos ou na Nova Inglaterra e mesmo assim sentir-se ligado a certas regiões ou comunidades, a milhares de quilômetros de distância.
(P.258) Para que esse senso de paralelismo ou simultaneidade pudesse surgir e também ter vastas consequências políticas era necessário que a distância entre os grupos paralelos fosse grande, e que o mais novo deles tivesse um tamanho considerável e fosse estabelecido de forma duradoura, além de estar solidamente subordinado ao mais velho. Essas condições foram encontradas nas Américas, como nunca ocorrera antes por três motivos.1°, a imensidão do oceano impediram a gradual absorção dos povos dentro de unidades políticos-culturais mais amplas como a que submergiu a Escócia dentro do Reino Unido. 2° a migração europeia para a América foi gigantesca. (P.259) 3° a metrópole imperial dispunha de formidáveis aparatos burocráticos e ideológicos que permitiram subjugar os crioulos por vários séculos.
(P.261) Essas fatores ajudam a explicar por que o nacionalismo surgiu primeiro no Novo Mundo. Além de elucidar duas características peculiares das guerras revolucionárias que assolaram o Novo Mundo entre 1776 e 1825. Pois nenhum revolucionário Crioulo sonhou em manter o império intacto apenas transferindo a metrópole de uma sede europeia para uma sede americana. Ou seja, não desejava-se que Nem London sucedesse Old London, mas sim salvaguardar o paralelismo entre elas.
(P.262) Além disso, apesar das guerras serem extremamente sangrentas, os crioulos não precisavam temer o extermínio físico nem a escravidão, ao contrário do que ocorreu com tantos outros povos que estavam no caminho do imperialismo europeu. Afinal, eles eram brancos, cristãos e falavam espanhol ou inglês, além de serem os intermediários entre as colônias e o império. Eram guerras entre parentes, o que garantiu que após um certo período de ressentimento, fosse possível reatar laços culturais, as vezes políticos e econômicos.
Tempo: Novo e Velho.
Para os crioulos do Novo Mundo, os estranhos topônimos discutidos acima representam sua capacidade de se imaginarem como comunidades paralelas e comparáveis às da Europa; contudo alguns acontecimentos súbitos em fins do século XVIII, conferiram a essa novidade um significado inteiramente novo.
(P.263) O primeiro foi a Declaração de Independência das Treze Colônias em 1776, e a sua defesa militar republicana. Essa independência e o fato dela ter sido republicana, foi visto como algo inteiramente inédito. Logo depois, em 1789, houve a explosão no Velho Mundo com a Revolução Francesa.
Ambas, não criaram um sentimento de continuidade, mas sim uma sensação de ruptura radical com o passado. Nada exemplifica melhor isso do que a abolição do calendário cristão e a adoção do calendário secular.
(P.266) Na Europa, os novos nacionalismos começaram a se imaginar “despertando de um sono”. Imagem totalmente diferente do que ocorreu na América. Pois enquanto os nacionalistas das Américas olhavam para o futuro, os nacionalistas europeus buscavam suas glórias no passado. Contudo, com o tempo essa duplicidade desapareceu e os americanos começaram a buscar sua origem aborígene.
(P.271) O Fratricídio Tranquilizador.
Enquanto Michelet, o historiador da Revolução Francesa, buscava resgatar as pessoas que morreram durante Revolução Francesa do esquecimento, evitando assim o seu desaparecimento nas correntezas da história, Renan surgiu com a ideia da necessidade de esquecer certas coisas.
(P.273) Para Renan, “já ter esquecido” antigas tragédias é um dever cívico contemporâneo de primeira importância.
O fratricídio tranquilizador é a forma do Estado criar uma capa sobre assuntos desconcertantes para ele. Como massacres, guerras e crimes contra a humanidade. Contudo, o ato deve ser distante temporalmente dos contemporâneos. Um exemplo é a Guerra Civil Norte Americana, ensinada hoje nas escolas como uma guerra entre irmãos, algo que seria representado de maneira diferente caso o país estivesse dividido ao meio ainda hoje.
(P.278) A Biografia das Nações.
(P.279) Assim como com as pessoas modernas, as nações precisam gerar uma narrativa de identidade. Entretanto, na história secular de uma pessoa, há um começo e um fim, já as nações não possuem data de nascimento claramente identificada, e sua morte (quando acontece) nunca é natural. Como não há um criador original é praticamente impossível criar uma genealogia de gerações, sendo a única maneira moldar a biografia das nações os “recuos no tempo” do presente para o passado.


Fonte:
ANDERSON, Benedict: Comunidades Imaginadas. São Paulo. Cia das Letras, 2008.

[1] Monumento funerário erigido em memória de um morto, mas que não lhe encerra o corpo.
[2] Línguas vernáculas são as línguas nacionais.
[3] Descendente de europeus nascido na América espanhola.