quarta-feira, 10 de junho de 2015

Formação do Brasil Contemporâneo de Caio Prado Júnior. 6º Capítulo.

Vida Material.
Neste capítulo Caio Prado Jr apresenta as bases de suas teorias sobre a economia do Brasil colonial. Fala sobre o sistema plantation, a vocação para a exportação e como a resposta para a instabilidade econômica do país pode estar no caráter de sua formação, uma vez que nossa economia se baseia em ciclos de demanda estrangeira com prazo de validade bem definido. Ou segundo suas palavras "Esta evolução cíclica, por arrancos, em que se assiste sucessivamente ao progresso e ao aniquilamento, uma atrás da outra".
Lançado em 1942 "Formação do Brasil Contemporâneo", infelizmente em alguns pontos, ainda permanece tão contemporâneo quanto no dia de sua publicação.
Boa Leitura.

Cap 6: Economia.
(P.119) Como já vimos anteriormente o “sentido” da economia da colônia era o de fornecer ao comércio europeu gêneros tropicais e minerais como o açúcar, o ouro ou o algodão. E que nossa economia se subordina inteiramente a este fim, isto é, se organiza e funciona para produzir e exportar aqueles gêneros.
Vejamos agora como se organizava a produção de tais gêneros que fazem a base da riqueza e das atividades da colônia.
Na agricultura o elemento fundamental será a grande propriedade monocultural trabalhada por escravos. E este tipo de organização agrária não resulta de uma simples escolha, alternativa eleita entre outras que se apresentaram a colonização.
(P.120) Os três caracteres apontados: a grande propriedade, monocultura e trabalho escravo, são formas que se combinam e se completam.
Já vimos no primeiro capítulo o tipo de colono europeu que procura os trópicos e nele permanece. Não é o trabalhador, o simples povoador; mas o explorador, o empresário de um grande negócio. Vem para dirigir e só vai para o campo como grande empresário rural, onde figure como senhor. Vemos assim que de início, salvo algumas áreas ao sul, são grandes as áreas de terra que se concedem aos colonos no Brasil.
Não ocorreu-lhes em nenhum momento a ideia de tentar sequer um regime de outra natureza, como uma organização camponesa de pequenos proprietários.
Teria influído nesta orientação a experiência que Portugal já adquira da colonização dos trópicos, mas seja por isso ou não, o fato é que as condições naturais da colônia vinham ao encontro da política adotada. A experiência demonstra que a grande propriedade, como organizada no Brasil, representa o sistema de organização agrário que sempre acaba dominando nos trópicos, mesmo quando outros tipos são inicialmente tentados.
Pois, combinam-se as dificuldades que o meio natural oferece ao trabalho de indivíduos isolados, sobretudo quando se trata de desbravamento.
(P.121) Nas colônias inglesas da América do Norte, por seu tamanho e climas diferentes, podemos perceber que: nas de clima temperado estabelece-se a pequena propriedade do tipo camponês em sua grande maioria. A pequena exploração realiza-se pelo próprio lavrador e quando muito por um pequeno número de subordinados.
Ao sul, mais quente e úmido e com características subtropicais estabelece-se a grande propriedade, trabalhadas por escravos. É o chamado sistema Plantation.
Neste momento do livro Caio Prado Jr dá diversos exemplos de como o clima é determinante sobre a forma de colonização.
A monocultura acompanha necessariamente a grande propriedade tropical; os dois são fatos correlatos e derivam das grandes causas. A agricultura tem por objetivo único a produção de certos gêneros de valor comercial e por isso são altamente lucrativos.
(P.122) Com a grande propriedade monocultural instala-se no Brasil o trabalho escravo. Não só Portugal não contava com população suficiente para abastecer sua colônia de mão-de-obra, como também já vimos que o colono europeu não emigrava para os trópicos para se tornar trabalhador.
A escravidão torna-se assim uma necessidade e não tardou muito para que na colonização dos trópicos americanos renascesse a escravidão na civilização ocidental, em declínio desde o fim do Império Romano.
Utilizaram-se a princípio os autóctones. Nas regiões como no México ou nos altiplanos andinos onde a densidade era grande e onde eles estavam habiatuados a trabalhar, o indígena formou a grossa mão-de-obra escrava.
No Brasil onde o indígena era mais escasso e menos educado para o trabalho organizado, empregou-se o escravo africano.
Completam-se assim os três elementos constitutivos da organização agrária do Brasil colonial: a grande propriedade, a monocultura e o trabalho escravo.
Estes três elementos se conjugam num sistema típico, “a grande exploração rural”, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de grande número de indivíduos; é isto que constitui uma célula fundamental da economia agrária brasileira. Como constituirá também a base principal em que se assenta toda estrutura do país, econômica e social.
(P.123) No Brasil temos a grande propriedade somada a grande exploração.
No século XVIII a mineração fará par com a agricultura entre as grande atividades econômicas da colônia. E esta tomará a mesma forma da agricultura: exploração em larga escala. Ou seja, grandes unidades, trabalhadas por escravos. A mineração individual e aventuresca ocorrerá somente quando este ciclo minerador estiver em franco declínio.
O terceiro setor das atividades fundamentais da economia brasileira é o extrativismo. Este quase que exclusivamente praticado no vale do amazonas. Esta atividade se organizará diferente, uma vez que os colhedores possuem a liberdade de vagar pela floresta em busca de especiarias. Contudo, encontramos aqui o chamado empresário, que embora não seja proprietário fundiário como o fazendeiro e o dono de mina, organiza a mão-de-obra que trabalha sob suas ordens.
(P.124) Além destas atividade, existiam na colônia atividades que Caio Prado Jr chama de secundárias: a pecuária e a agricultura. Eram atividades subsidiárias destinadas a amparar e tornar possível a realização das primeiras. Ou seja, essas atividades não caracterizam a economia colonial brasileira, mas lhe serviam apenas de acessório para sua realização.
Agora em relação aos elementos fundamentais e característicos da economia colonial, organizada na unidade produtora, seja agrícola, mineradora ou extrativista podemos explicar a extrema concentração de riqueza que caracteriza a economia colonial.
(P.125) São estas em suma, as características fundamentais da economia colonial brasileira: de um lado, esta organização da produção e do trabalho e a concentração de riqueza que dela resulta; do outro, a sua orientação voltada para o exterior e como simples fornecedor do comércio internacional.
Nestas bases se lançou a colonização brasileira e nela se conservará sem grandes modificações durante os três primeiros séculos de nosso história.
(P.127) E este sistema se tornou tão intrínseco ao Brasil que mesmo após sua independência continuou a existir. Pois, pela própria natureza dessa estrutura, não podíamos ser outra coisa mais que o que fôramos até então: uma feitoria da Europa, um simples fornecedor de produtos tropicais para seu comércio.
Deste sistema resultará, portanto, uma consequência final muito grave: é a forma que tomou a evolução econômica da colônia. Uma evolução cíclica, tanto no tempo, como no espaço, em que se assiste sucessivamente a fases de prosperidade estritamente localizada, seguidas depois de maior ou menor lapso de tempo, mas sempre curto, do aniquilamento total. Foi assim com o açúcar, o ouro, os produtos agrícolas como novamente o açúcar e o algodão, o café, etc.
(P.128) Esta evolução cíclica, por arrancos, em que se assiste sucessivamente ao progresso e ao aniquilamento, uma atrás da outra tem sua origem no caráter da economia brasileira.
Pois esta se organiza em objetivos estranhos ao país. Subordina-se a uma determinada conjuntura internacional favorável naquela momento a um produto qualquer que é capaz de fornecer e impulsionar o seu funcionamento, dando a impressão ilusória de riqueza e prosperidade. Bastando apenas que esta conjuntura se desloque um pouco para que aquela produção declina e pereça, tornando impossível manter a vida que ela alimentava.


Fonte: PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da 23ª edição de 1994. Pág 119-129.