Por:
William C. T Rodrigues.
Apesar de
presente e atuante em toda a História, em geral o jovem não é visto como um
grupo social separado, nem que mereça grande destaque para esta disciplina
quanto, por exemplo, a mulher e a criança.
São poucos os
momentos em que a história reconhece o jovem como um ator social ou um agente único
de transformação política e não o “dilui” em meio aos outros grupos sociais o
tornando apenas mero participante de um movimento. São raros os momentos, como
em de maio de 68, os caras pintadas de 1992 e as lutas pela reforma universitária
de Córdoba (1918), em que os jovens passam para a história com movimentos vitoriosos
compostos majoritariamente por eles.
José Alves de
Freitas Neto busca compreender em seu texto, o que acontecia de tão grave com a
Universidade de Córdoba, ao ponto de criar as bases para o surgimento de um
movimento estudantil tão forte que criticava não somente a estrutura interna
desta universidade, como também a estrutura de ensino de todas as universidades
eurocêntricas, escolásticas e conservadoras de nosso continente. Freitas quer
entender o alcance e a importância deste movimento que foi colocado pelo
intelectual argentino Oscar Terán no mesmo patamar de influência, para os povos
latino-americanos, da Revolução Cubana.
As
universidades, tal como a conhecemos, surgiram na Europa da Idade Média e eram
voltadas exclusivamente para os estudos das humanidades. A partir dessa ideia,
pode-se supor que os movimentos estudantis surgiram na Europa, “berço” das
universidades. Contudo, o primeiro movimento estudantil que se tem notícia
surgiu na Universidade de Córdoba, daí sua importância para o continente e para
o mundo.
Diferentemente
dos portugueses, os espanhóis criaram diversas universidades em suas colônias,
a Universidade de Córdoba foi a primeira da Argentina (1621) e a quarta na
América espanhola. Surgiu com cursos tidos como importantes para a época como
filosofia, teologia e normas jurídicas.
Entretanto, este
pioneirismo do século XVII tornou-se atraso no século XX. A educação ainda era
escolástica e controlada por jesuítas. A cátedra era vitalícia e praticamente
hereditária, além de ser controlada não por educadores, mas por ilustres locais
que buscavam prestigio. O ensino embasado nos argumentos de autoridade e a
distancia entre mestres e estudantes era uma regra.
Dentro da ótica
do pensamento de Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888), que hoje entendemos
anacrónico, a tímida modernização da Universidade após a República se deu pela
ínfima adesão dos cordobenses ao
movimento. É como se Córdoba vivesse as margens dos processos de consolidação
da República. Segundo ele, até 1816 ela (a Universidade) desprezava
conhecimentos importantes como a matemática, os idiomas a física, o direito
público e a música, o que pode ser explicado, segundo seu ponto de vista, por
uma relação entre o interior (barbárie) e a capital portenha (vanguarda do
país).
O fato foi que
em 1918, questões pontuais tomaram corpo e logo se voltaram contra a
administração. Sem serem atendidos, os estudantes iniciaram uma greve geral e
lançaram um manifesto à juventude argentina em 31 de março. No dia 2 de abril,
a administração fechou as portas de Universidade e não cedeu as reivindicações.
O movimento
tomou corpo e apoio. Em Buenos Aires foi fundada a Federação Universitária
Argentina (FUA), agregando estudantes de todo o país em torno das demandas de
Córdoba. O presidente Hipólito Yrigoyen, simpático a nova classe média
argentina, interviu em Córdoba em 11 de abril.
O interventor
nomeado, José Nicolás Matienza deu inicio a reestruturação em moldes liberais,
acabou com a imobilidade do corpo docente, e organizou eleições para o
preenchimento dos cargos de reitor e de membros do conselho universitário.
Apesar de conseguirem a ampla maioria das cadeiras do conselho universitário, o
cargo de reitor ficou com o conservador Antonio Noraes, o que demonstrou ao
estudante que as reformas não foram tão democráticas e nem mudaram as
estruturas internas do poder.
Outra greve teve
inicio, os estudantes conseguiram apoio de sindicatos, políticos de esquerda e
intelectuais como José Ingenieros e Manuel Ugarte.
Em 21 de junho
de 1918, os estudantes aprovam o Manifesto Limiar ou La Juventud Argentina de Córdoba a los Hombres Libres de Sudamérica,
que é considerada a principal carta de princípios da história das universidades
latino americanas publicada até então.
Nela os
estudantes criticam o cotidiano da Universidade e a tirania da docência. Afirmam
ter rompido com o último elo que os prendiam ao atraso e a imobilidade, sendo
eles os representantes do poder de renovação da juventude. E apresentam suas
propostas políticas e reivindicações reformistas.
O impasse seguiu
pelos meses seguintes. Até que em 7 de agosto o reitor Nores renunciou e em 9
de setembro os estudantes tomaram o controle e a direção da Universidade. O
presidente Yrigoyen designou como interventor o próprio ministro da educação
José Salinas, que com o apoio dos estudantes levou a cabo o projeto de reforma,
tal como reivindicado pelos estudantes, assegurando o triunfo do movimento que
se espalhou por toda a América Latina.
Segundo José
Alves de Freitas Neto “o legado deixado por este movimento na educação superior
latino-americana foi a defesa da autonomia universitária, a mudança no processo
de ensino e docência e a democratização da universidade, tanto em sua gestão
como na garantia da permanência de estudantes de todos os grupos sociais”.
Por fim, o autor
acredita que o exemplo de Córdoba deve ser seguido. Contudo, não se deve entender
o movimento como um monumento estático sobre um passado de lutas frente a um
presente “pouco desafiador”. O que Neto propõe e que compreendamos que hoje
vivemos novos tempos e que os desafios do Ensino Superior deste novo século são
diferente, devemos então, como homens do nosso tempo – seguir o exemplo de
Córdoba – mas com reivindicações que busquem superar as necessidades deste novo
milênio.Bibliografia:
Neto, José Alves Freitas. A Reforma Universitária de Córdoba (1918): um manifesto por uma universidade latino-americana. Revista de Ensino Superior Unicamp, p . 62-70.
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