quinta-feira, 24 de abril de 2014

Resumo: Drogas, conflito e os EUA. A Colômbia no início do século de León Valencia

No canto esquerdo temos uma guerrilheira das Farc-EP e a um direita paramilitar. Apesar de todas as divergências ideológicas ambos movimentos foram e continuam sendo financiados pelo rentável cultivo da coca.
Drogas, conflito e os EUA. A Colômbia no início do século.
León Valencia procura entender a profundidade que o plantio, colheita, beneficiamento e o tráfico de drogas (em especial a cocaína) tomou na Colômbia de fins da década de 1980 até o Plano Colômbia que chegava ao fim de sua primeira fase durante a publicação do texto em 2005, e os seus reflexos em todas as instâncias da sociedade colombiana.
O plantio de plantas psicoativas começou com a maconha em 1970, em pouco tempo foram introduzidas também à papoula e a coca vinda da Bolívia e do Peru. Apesar da variedade, foi no cultivo da coca que a Colômbia ganhou destaque controlando cerca de 60% do comercio internacional.
O autor chama a nossa atenção para o fato de que, o crescimento desse comércio ilegal trouxe consequências drásticas para toda a sociedade colombiana. Segundo ele “o narcotráfico veio potencializar outros fenômenos presentes na vida colombiana: violência das guerrilhas e dos paramilitares, o clientelismo e a corrupção, a cultura do jeito e a desinstitucionalização do país”. Que embora existissem há muito tempo, se mantinham separados até esse momento.
Em 1987, um grupos de especialistas preparou um relatório sobre a violência na Colômbia e a distinguiu em três tipos: a dos delinquentes comuns, a do narcotráfico e a de motivação política. Estes tipos de violência tinham dinâmicas separadas, mas ficou evidente que em 1990, eles começaram a se articular.
Essa articulação entre os três tipos de violência emitiu sinais claros de que o Estado colombiano poderia entrar em colapso, desestabilizando toda a região andina. O que começou a preocupar os EUA.
Não demorou muito para se descobrir que o dinheiro do narcotráfico também havia corrompido a política. Por mais de vinte anos diversas campanhas foram financiadas com o dinheiro das drogas.
Todos esses fatores levaram os EUA mudar sua política para com a Colômbia. Por muitos anos acreditou-se que as guerrilhas colombianas não eram uma ameaça, então a recomendação dada pelo Departamento de Estado Norte-americano a Colômbia era a da contenção ao invés da eliminação que seria muito custosa aos cofres públicos de ambos países. A mudança da política antidrogas ficou visível com a aprovação do “Plano Colômbia”, onde substituíram a contenção pela eliminação.
O problema.
No mundo há cerca de treze milhões de usuários de cocaína, sendo que mais da metade desses usuários são estadunidenses. Os Estados unidos se preocupam com as quase cinquenta mil mortes em seu território todos os anos devido ao tráfico de drogas e se esquecem que nos países produtores como Colômbia, Peru e Bolívia os problemas advindos da guerra contras a drogas causam muito mais devastação. Os dois conflitos são relacionados e indissolúveis.
Pior que os problemas sociais, familiares e de saúde, que as drogas causam, a sua proibição gera as mais variadas consequências e que podem ser extremamente mais devastadoras. A primeira é a perseguição e a marginalização dos usuários. A segunda é o encarecimento inusitado e a alta rentabilidade desse tipo de negócio. A terceira é a formação de grupos armados para sua proteção. A quarta é a corrupção em todos os setores da sociedade. Na Colômbia temos um cenário ainda mais dramático que é o conflito interno armado.
Segundo Richani, se somarmos todos os trabalhadores diretos e indiretos, teremos cerca de um milhão de trabalhadores colombianos que dependem da produção, do beneficiamento e do tráfico de drogas. Se somarmos suas família, e os traficantes varejistas o número de pessoas chega a  quatro milhões ou cerca de 10% da população do país.
É a proibição que multiplica o valor de mercado da droga e gera sua alta rentabilidade. Os grandes narcotraficantes colombianos chegaram a fazer parte do clube das pessoas mais ricas do mundo e mesmo os pequenos agricultores que recebem uma parte mínima de todo o dinheiro da droga, ganham muito mais do que se se dedicassem a culturas legais.
É obvio que nem todo o dinheiro arrecadado com o narcotráfico volta para a Colômbia, contudo é interessante ver que entre 1981 e 1990 o aumento acumulado do PIB da América Latina foi de 12,4%, enquanto que na Colômbia foi de 43,6%, essa diferença entre vizinhos só pode ser atribuída ao tráfico de drogas.
Os paramilitares, apesar de se autoproclamarem uma resposta armada as guerrilhas, surgiram para proteger os negócios lucrativos do tráfico de drogas, que nesse caso servia também para o enriquecimento pessoal de alguns líderes desses movimentos.
As Farc também utilizavam recursos provenientes do narcotráfico para financiar a guerra. Nesta época elas duplicaram o seu efetivo e formaram um verdadeiro exército guerrilheiro que no sul do pais impôs dezesseis derrotas sucessivas às forças militares, entre 1996 e 1998.
Há uma diferença básica entre os paramilitares e a guerrilha. Os primeiros enriquecem individualmente, enquanto as guerrilhas investem tudo na guerra.
Há quem diga que a corrupção é ainda mais prejudicial do que o conflito armado, e na Colômbia uma grande parte da corrupção está ligado ao tráfico de drogas. O processo judicial do presidente Samper demonstra como a corrupção e o narcotráfico tinham penetrado em todas as instâncias do poder.
Muitos estudiosos podem dizer que as drogas são as causas de todos os males, mas não podem negar que a proibição dificulta em muito o combate a elas. Proibição esta apoiada nos malefícios causados pelas drogas, mas principalmente no enfoque moralista dos EUA.
O Plano Colômbia.
A grande ofensiva contra o cultivo, o processamento e o tráfico de drogas na Colômbia começou em 1994 com as fumigações. O período mais intenso de fumigações e de confrontos com os grupos armados ligados ao narcotráfico, começou em 2000 com o Plano Colômbia. O custo destas fumigações e os confrontos custaram aos EUA cerca de 3,3 bilhões de dólares.
Nos primeiros dois anos de Plano Colômbia, quando Andrés Pastrana Arango era o presidente da República, não havia um plano geral para uma mudança fundamental do conflito. Foi só com a posse do Presidente Uribe que se começou a desenvolver um projeto de mudanças de objetivo, da contenção para a eliminação.
Pacificação no Norte e Guerra no Sul.
Álvaro Uribe foi firme em seu projeto de eliminação dos grupos guerrilheiros, dizendo que com eles não haveria negociação nem reconciliação. Já com os paramilitares Uribe abriu diálogo tão rapidamente que surpreendeu a todos.
O Estado Colombiano estava em um impasse. Nem o Estado poderia acabar com a guerrilha, nem a guerrilha tinha condições de chegar ao poder. Uribe rompeu essa situação se lançando com toda a força contra as guerrilhas no sul do país.
Uribe chamou de “segurança democrática” seu projeto de negociar com os paramilitares no norte e derrotar militarmente as guerrilhas no sul.
Uma negociação com muitas interrogações.
Em 2002 os paramilitares afirmaram que só deixariam de atuar quando a guerrilha desaparecesse. Eles se justificavam dizendo que agora possuíam um presidente com vontade de derrotar a guerrilha. O fato é que os paramilitares nunca tiveram força suficiente para derrotar a guerrilha, na verdade eles eram eficientes em pressionar a população civil nas regiões de conflito, nos massacres e no confronto com a ELN (uma guerrilha de menor porte). Perante a comunidade internacional as ações dos paramilitares perdeu legitimidade e uma vez que eles conseguiram acumular muito poder político, social e econômico com trabalho ilegal, estava na hora de encontrar uma base legal para consolidar esse poder.
Já para os governantes do país, havia chegado o momento de recuperar o monopólio da contra-insurgência. Quem assumiu as negociações com os paramilitares foi Carlos Castaño, que concebia essas negociações como uma “submissão à justiça”. No entanto, Carlos Castaño desapareceu ou morreu nas mãos de seus companheiros de armas, em uma rebelião contra essa posição de submissão à Justiça.
As negociações desandaram após o desaparecimento do chefe dos paramilitares. Após esse fato a mesa de negociação passou a ser um cenário de disputa entre os EUA, os paramilitares e o governo. Isso cria um clima de incerteza, incerteza essa que não é apenas jurídica, porque o tipo de negociação e o estilo de pacificação no norte , depende da guerra que se desenrola no sul.
O Plano Patriota é sem dúvida a maior ofensiva que já se fez contra as Farc, contudo essa ofensiva ainda não obteve grandes resultados e os guerrilheiros estão se defendendo bem.
Na defensiva mas longe da derrota.
O presidente Uribe cumpriu a promessa de lançar uma grande ofensiva contra as Farc. Nesse esforço chegou a gastar quase 5% do PIB do país. Isso garantiu grande conquistas para o Estado.
A confrontação direta contra a guerrilha tem ocorrido de duas formas: a primeira é a resposta direta e rápida com contra-ataques decididos contra a ações das guerrilhas. A segunda é lançar ofensivas sobre pontos-chave da guerrilha.
Nos último anos a Farc perdeu cerca de 30% do seu efetivo e seus recursos diminuíram drasticamente. No entanto, o núcleo das guerrilhas ainda não foi atingido e suas estruturas de comando estão intactas.
Alguns analistas precipitados, como Joaquín Villalobos, já falam de uma derrota estratégica da guerrilha. Pode-se avaliar as forças que estão na ofensiva pela extensão dos danos causados ao inimigo, e as que estão na defensiva pelos danos que conseguem evitar, e pela sua capacidade de se proteger. E se uma força defensiva consegue chegar ao fim sem sofrer grandes perdas, tem grande possibilidade de organizar um bom contra-ataque. Villalobos, que dirigiu a guerrilha FMLN com um grande espirito ofensivo, não percebe que grande arte das Farc está na defesa e na preservação.
O presidente Uribe fez um grande esforço ofensivo, apostando tudo na derrota da guerrilha. No entanto os resultados alcançados ainda não são proporcionais ao grande empenho empreendido.
O ataque às zonas cinzentas.
O principal equívoco da política de “Segurança Democrática” talvez seja o tratamento dado a população civil. O presidente Uribe acredita que entre o Estado e a subversão existem “zonas cinzentas”. Crê que todos os moradores destas áreas apoiam ou são complacentes com as guerrilhas. A realidade é que este vínculo existiu durante os anos 80, mas agora é quase inexistente. Com a Queda do muro de Berlim e as transformações havidas no mundo, esfumaçou-se a ilusão de uma insurreição triunfante.
Atualmente as guerrilhas se apoiam em setores marginais, ilegais e excluídos da sociedade. São pessoas que têm a dupla condição de serem vítimas e de fazerem vítimas. Pessoas que resumem a tragédia de uma nação que obriga milhões de pessoas a viver das migalhas de negócios sujos.
Diante de um provável fracasso.
O Council on Foreign Relations, um centro influente do pensamento americano, esteve na Colômbia em 2003 e formulou um relatório que diz claramente que a região está caminhando para um colapso, que a democracia está ameaçada e que a politica dos EUA na região é míope.
O relatoria propõe a “dissolução do conflito”, onde se mantem a repressão ao tráfico, ao consumo de drogas e aos grupos armados, mas se enfatiza a superação das causas econômicas e sociais que estão no funcho do conflito. Dissolução ao invés de eliminação dos atores envolvidos. O ponto de partida é que a Colômbia necessita de uma “assistência dura” (repressão) e uma “assistência branda” (inclusão) e os EUA apenas se concentrou na primeira.
Propõe que haja um equilíbrio entre os esforços destinados a combater o cultivo e o tráfico de drogas e, de outro, os recursos e esforço orientados para a redução do consumo. A nova estratégia sugerida é sem dúvida a mais inteligente já proposta até o momento, mas não questiona a base proibicionista da política norte-americana.
Para o autor a ideia de dissolução do conflito é boa, mas o caminho mais certo para o fim da guerra seria a negociação política e a inclusão, em outras palavras, a reconciliação.

A reconciliação é central e não lateral. Tentar eliminar os atores é uma catástrofe. Tentar dissolver o conflito é uma política mais benévola e pode dar resultados, mas o caminho da reconciliação é que pode trazer melhor rendimento para a democracia, abreviando o tempo de confrontação.

Fonte:
VALENCIA, León: Drogas, conflito e os EUA. A Colômbia no início do século. Estudos avançados, 19 (55), 2005, p. 129-151.

Para ler o original CLIQUE AQUI!

Nenhum comentário:

Postar um comentário