Arte e cultura*
A entrada do Brasil na
modernidade foi parte de um processo complexo em que se entrecruzaram dinâmicas
diferentes. Nas primeiras décadas do século XX, aceleraram-se a
industrialização, a urbanização, o crescimento do proletariado e do empresariado.
De outro lado, permaneceram a tradição colonialista, os latifúndios, o sistema
oligárquico e o desenvolvimento desigual das regiões. De toda forma, com a
expansão dos centros urbanos, modificaram-se os valores da cultura cotidiana e
os próprios padrões da comunicação social. As idéias de simultaneidade,
concisão, fragmentação, velocidade e arrojo passaram a expressar os tempos
modernos. As Kodaks, o cinema e as revistas ilustradas captavam um mundo feito
de imagens. Era inevitável que a arte expressasse as transformações trazidas
pela modernidade. Mas, no Brasil, outros problemas também preocupavam artistas
e intelectuais.
Nós não nos conhecemos uns aos outros
dentro do nosso próprio país. A frase, do escritor carioca Lima Barreto, caracteriza bem
o espírito da década de 1920. Era um tempo de indagações e descobertas. A
tarefa que se impunha era a de construir a nação, e isso significava também
repensar a cultura, resgatar as tradições, costumes e etnias que haviam
permanecido praticamente ignorados pelas elites. A questão da identidade
nacional estava agora em primeiro plano: que cara tem o Brasil? Artistas e
intelectuais buscaram responder a essa pergunta, e esse esforço foi uma
característica importante do modernismo brasileiro. Isso não quer dizer que o
modernismo tenha sido um movimento homogêneo. Ao contrário: produziu imagens e
reflexões sobre a nacionalidade profundamente contrastantes entre si.
A Semana de Arte Moderna, realizada
em São Paulo no ano de 1922, representou uma verdadeira teatralização da
modernidade. Mas o movimento modernista não se resumiu à Semana. Na verdade,
começou antes de 1922 e se prolongou pela década de 1930. Tampouco se
restringiu a São Paulo. Houve também uma modernidade carioca e a proliferação
de revistas e manifestos por todo o país indica que o raio de ação do movimento
foi maior do que se supõe.
Assim como a Exposição Universal do
Rio de Janeiro de 1922, a Semana de Arte Moderna fazia parte da agenda oficial
comemorativa do Centenário da Independência. O evento teve grande impacto na
época, pois formalizou e discutiu questões que já se estavam esboçando na vida
cultural. Por exemplo: como integrar tradição e modernidade; regional e
universal; popular e erudito?
Mário de Andrade defendia a
perspectiva de integração dinâmica do passado ao presente. No Prefácio
interessantíssimo de seu livro de poemas Paulicéia desvairada – 1922 –,
definia o passado como lição para meditar não para reproduzir. A
tradição em si não tinha valor, a não ser que estabelecesse um elo vivo com a
atualidade. Era esse o sentido dos estudos folclóricos a que se dedicou. Seu
célebre livro Macunaíma – 1928 – mostra um herói que nasce índio, torna-se
negro e no final é branco. O herói Macunaíma sobrevoa o Brasil nas asas de um
pássaro. O que importava era destacar a nossa multiplicidade étnico-cultural,
vislumbrar o conjunto da nacionalidade.
Outro autor modernista de renome,
Oswald de Andrade, propunha no Manifesto pau-brasil – 1924 – uma síntese
capaz de unir o lado doutor da nossa cultura ao lado popular. Já no Manifesto
antropofágico – 1928 –, sugeria um projeto de reconstrução da cultura
nacional. Metaforicamente, deveríamos devorar e absorver de maneira crítica as
influências do inimigo externo. As idéias do futurismo, do dadaísmo e do
surrealismo poderiam ser integradas à nossa cultura desde que fossem
reelaboradas. No quadro de Tarsila do Amaral intitulado Abaporu – que
significa o homem que come –, está expressa plasticamente a idéia da
integração cultural.
O grupo dos verde-amarelos, por sua
vez, tinha idéias bastante diferentes: propunha um retorno ao passado,
considerado como o depositário das nossas verdadeiras tradições. Via no
popular, com sua índole pacífica, a alma da nacionalidade, a ser guiada pelas
elites político-intelectuais do país. No manifesto Nhengaçu verde-amarelo
– 1929 –, defendia as fronteiras nacionais contra as influências culturais
estrangeiras. Nesse ponto, o grupo reforçava a tese do nacionalismo militarista
de Olavo Bilac, fundador da Liga de Defesa Nacional e criador da figura do poeta-soldado.
As idéias dos verde-amarelos seriam mais tarde incorporadas pelo regime
autoritário do Estado Novo – 1937-1945.
Entre os intelectuais dos anos 20,
cujas análises visavam à definição de novos rumos para o país, incluíam-se
Oliveira Viana, Gilberto Amado, Pontes de Miranda. Eles escreveram ensaios que
foram publicados em 1924 em uma coletânea organizada por Vicente Licínio
Cardoso, chamada À margem da história da República. Na base de seu
ideário, estava o pensamento do político e escritor fluminense Alberto Torres.
Um dos nossos maiores problemas, na
opinião desses pensadores, era a debilidade do governo federal. A Constituição
de 1891 estava, a seu ver, ultrapassada, e isso por dois motivos principais:
possuía inspiração externa e assegurava grande poder aos estados em detrimento
do poder central. Urgia que o país construísse seu próprio modelo e criasse
instituições adequadas à realidade nacional.
*Reprodução Integral.
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Fonte
ARTE e cultura. In: NAVEGANDO na
história: Era Vargas: anos 20 a 1945 [on-line]. Rio de Janeiro: CPDOC, 2004.
Disponível em:
.
Acesso em: 25 nov. 2004.
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