quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Adam Smith e as Instituições Históricas na Segundo Metade do Século XVIII.


Adam Smith e as Instituições Históricas na Segundo Metade do Século XVIII.
Por: João Pedro L. Cassiano

“Acontece que muitas vezes as leis conservam sua vigência ainda muito depois de cessarem de existir as circunstâncias que lhes deram origem, circunstâncias essas que constituíam a única justificativa razoável de tais leis”.
         Adam Smith

O objetivo desse trabalho é analisar o livro terceiro de Adam Smith, intitulado “A diversidade do progresso da riqueza nas diferentes nações”. Trata-se de um esforço para compreender a noção de história presente nesse livro. Essa noção ficará mais clara quando estudarmos a história de duas instituições, a saber: a lei da primogenitura e o morgadio e o papel desempenhado pelas mesmas ao longo da história.
 Para Adam Smith, em toda sociedade política, existia uma forma de organização da sociedade que era baseada na “ordem natural das coisas”.  Essa ordem prevaleceu por um longo tempo, até que ela foi invertida e, em seu lugar, surgiu outra. Na ordem antiga, a riqueza só aumentaria se houvesse um aumento da produtividade na agricultura, que era a grande fonte de riqueza, isto é, a principal atividade geradora da riqueza. Na nova ordem, chamada de antinatural, o comércio passou a desempenhar o papel que era da agricultura. Assim, pela ação destruidora do comércio, a ordem das coisas mudou radicalmente.
Assim, o comércio, ao aumentar seu raio de ação para vários cantos do mundo, levando novos hábitos, gerou a necessidade de mais produtos para abastecer essas regiões. As manufaturas, por sua vez, cresceram e passaram a comprar mais produtos brutos do campo. O resultado disso foi a alteração da cadeia produtiva.
Embora essa situação estivesse presente na sociedade, isto é, fosse praticada pelos comerciantes, ainda existia uma série de obstáculos para o progresso dessa sociedade. Trata-se de algumas instituições feudais que, em outros tempos, foram primordiais para a sociedade e agora tinham se tornado obsoletas.
 Portanto, para a riqueza continuar crescendo era fundamental a destruição dessas instituições, no caso a primogenitura e o morgadio, que pertenciam à antiga ordem e ainda tinham um grande peso na sociedade. Elas estavam atravancando o desenvolvimento da riqueza. Eram instituições feudais que garantiam a permanência de grandes propriedades improdutivas. Para Smith, o problema era porque essas propriedades não estimulavam a produção. Os valores da nobreza proprietária de terra, não permitiam que eles utilizassem à terra de forma produtiva, visando à busca do excedente. Em parte isso ocorria devido à primogenitura e o morgadio, instituições que não permitiam a venda ou divisão da grande propriedade.
Para entendemos a crítica que Smith fez a essas instituições, podemos dividir a ação delas em dois momentos distintos. No primeiro momento, quando o objetivo dos homens não era a riqueza, elas desempenharam um papel fundamental para a sociedade. No segundo, quando a riqueza se transformou na mola da sociedade, elas passaram a ser um entrave para os homens. Daí, a razão da crítica de Smith.
A seguir, veremos como Adam Smith investigou a história com o objetivo de apontar soluções para os problemas do seu tempo.
O comércio realizado entre o campo e a cidade beneficia a todos. O campo, com o excedente produzido, abastece a cidade; esta, em contrapartida, abastece o campo com produtos manufaturados e artigos de luxo. Acontece que muitas vezes as cidades necessitam dos produtos de outros países porque os produtos produzidos no próprio país não são suficientes para a manutenção da cidade; daí a necessidade do comércio com outros países. Segundo Adam Smith, essa seria a chamada “ordem natural das coisas”. Assim, por essa ordem, os homens, em qualquer época e país se dedicariam, em primeiro lugar, à agricultura, em seguida, à manufatura, e, em terceiro, ao comércio a longa distância.
Essa ordem seria a responsável pelo “equilíbrio” entre a produção do campo e a produção da cidade - isso dentro de um país. Assim, o campo só teria condição de adquirir mais produtos da cidade se aumentasse a área cultivada ou a produtividade por algum melhoramento. Assim, o desenvolvimento, aumento da riqueza, estava subordinado à agricultura, ou seja, a riqueza só aumentaria com melhorias na agricultura. Segundo Adam Smith: “... se as instituições humanas não tivessem interferido no curso natural das coisas, a riqueza progressiva e o crescimento das cidades seriam, em toda sociedade política, consequência da melhoria e do cultivo da região ou do país, sendo também proporcional a essa melhoria e a esse cultivo”. (SMITH, 1996 p.375).
Portanto, pela “ordem natural”, o capital era investido, em primeiro lugar, na agricultura, em segundo, na manufatura, e, em terceiro lugar, no comércio exterior. Contudo essa ordem foi invertida nos modernos países da Europa, onde o comércio externo foi o fator que desencadeou o crescimento da riqueza nesses países em um ritmo muito maior do que a ordem natural. Através do comércio externo, algumas cidades desenvolveram suas manufaturas, que, por sua vez, provocou melhoramentos na agricultura. A partir desse momento, a ordem natural estava invertida: o comércio externo passou ocupar o lugar que era da agricultura.
Depois da queda do Império romano houve um período de desordem. Nesse período surgiram duas instituições que tiveram o papel de reorganizar a sociedade, a lei primogenitura e o morgadio. Essas duas instituições tinham a função de garantir a segurança da sociedade. Pela lei da primogenitura, com a morte do proprietário, a terra seria entregue ao filho mais velho, para evitar que ela fosse dividida entre os filhos. O morgadio, por sua vez, impedia que a terra herdada pelo filho mais velho fosse dividida, vendida ou alienada. Já que naquele período, qual seja, depois da queda do Império Romano, a divisão da terra significaria a ruína de todos, pois ninguém tinha condição de garantir sua própria segurança. Não existia um Estado que garantisse a segurança de todos. O nobre era o grande guerreiro dessa sociedade. Sua função era zelar pelos moradores que estavam sob sua jurisdição. Assim havia um compromisso mútuo entre os camponeses e os senhores de terra. Os camponeses trabalhavam para todos, e, em troca, recebiam segurança dada pelo senhor feudal. Em resumo, a função dessas instituições era garantir a manutenção da grande propriedade, que era uma condição necessária para a vida dos homens.
Contudo, no momento que Smith escrevia, isto é, na Europa da segunda metade do século XVIII, os principais países já estavam constituídos, e, por isso, já existia uma série de leis que protegiam a propriedade, fosse ela pequena ou grande; assim, a lei da primogenitura e do morgadio perderam sua razão de ser. Elas se tornaram um empecilho para o “progresso” da sociedade. O morgadio se transformou em um privilégio da nobreza para manter a propriedade da terra. Em consequência, a agricultura não recebia melhorias, devido à grande extensão da propriedade, principalmente devido à mentalidade da nobreza, que não visava o lucro. Essas propriedades deviam passar para mãos de pessoas ligadas a atividades produtivas.
O objetivo da sociedade que surgiu depois da queda do império romano não era o lucro. Este, não era uma necessidade para sociedade feudal. Com isso não havia interesse em fazer melhorias na terra. Os trabalhadores também não tinham interesse em fazer melhorias na terra. A maioria dos trabalhadores era formada por escravos ou servos, que estavam presos a terra. Toda melhoria que eles eventualmente fizessem pertencia ao patrão, ao dono da terra, por isso não tinham o menor interesse em aumentar a produtividade. Na época de Smith, a servidão estava abolida em várias partes da Europa, mas continuava em outras, como, por exemplo, na Rússia. Além disso, existiam outros obstáculos para a produção, como o dízimo e a propriedade cultivada por meeiros. Estes tinham que dividir tudo que produzisse ao meio, com o proprietário da terra.
Depois da queda do império romano, apenas negociantes e artífices moravam nas cidades. Os habitantes da cidade obtiveram a liberdade mais cedo do que os habitantes do campo, por assim dizer, estavam livres da servidão. No burgo, eles gozavam de certa liberdade e podiam organizar a administração da cidade conforme seus interesses. Para isso, pagavam um imposto anual ao rei.
Assim, enquanto os trabalhadores no campo trabalhavam pela subsistência, na cidade, devido à boa administração, à liberdade e à segurança “... Os cidadãos têm segurança de gozar dos frutos do trabalho, empenham-se naturalmente em melhorar sua condição e em adquirir não somente o necessário, mas também os confortos e o luxo que a vida pode proporcionar”. (SMITH, 1996, p. 394).
O progresso das cidades aumentou bastante quando estas passaram a negociar com regiões distantes. As cidades que têm mais facilidades para realizarem esse comércio de longa distância são aquelas localizadas na costa marítima ou próxima de rios. Essas cidades conseguiam sua subsistência de várias regiões, sua fonte de subsistência e comércio era diversificada, isso gerou um progresso muito rápido dessas cidades. Por isso “... Foi possível uma metrópole crescer e atingir alto grau de riqueza e de esplendor, enquanto que não somente o país próximo, bem como todos os países com os quais essa rica cidade comerciava, permaneceram na maior pobreza e miséria”. (SMITH, 1996, p. 394).
 A cidade contribuiu de três formas para o progresso da agricultura: primeiro, estimulou a produção da agricultura por causa do aumento da procura por produtos do campo. Segundo os habitantes da cidade, quando ficavam ricos com o comércio, investiam seu dinheiro na compra de terra. Contudo, o dinheiro que o comerciante investia na terra era com o objetivo de obter o lucro. Para isso, ele fazia melhorias que aumentava a produção da terra. O aristocrata, ao contrário, não tinha o hábito para os negócios e, por isso, não visava o lucro em suas propriedades.
Terceiro, a ordem e a boa administração foram introduzidas no campo por causa do comércio. Os habitantes do campo conheceram a liberdade e segurança para se dedicarem à agricultura. A ausência do comércio exterior acarreta desperdício dos produtos da agricultura. A maior parte dos produtos excedentes era consumida em banquetes pelos nobres. Não havia o hábito de vendê-los ou trocar por produtos manufaturados. O comércio externo veio demolir esse hábito e introduzir o gosto pelo lucro. Nas palavras de Smith:
Entretanto, o que toda a violência das instituições feudais jamais poderia ter conseguido, o foi gradualmente pela operação silenciosa e insensível do comércio exterior e das manufaturas. Com o decorrer do tempo, o comércio exterior e das manufaturas foram fornecendo aos grandes proprietários rurais alguma coisa graça à qual podiam trocar todo o excedente da produção de suas terras, produtos esses que podiam eles mesmos consumirem, sem terem que partilhá-los com seus rendeiros ou clientes (SMITH, 1996, p. 402).
Para Smith, o comércio externo foi a maior revolução desse momento. Ele foi aos poucos destruindo instituições seculares da sociedade. Mudando os hábitos dos homens. Para encerrar citaremos mais uma passagem que julgo significativa, porque revela a forma como Smith enxergava o funcionamento da sociedade. Para ele, na busca do seu interesse, o homem, sem querer, sem ter consciência desse processo, contribuiria para o bem da sociedade.
Dessa maneira, uma revolução da maior importância para o bem-estar público foi levada a efeito por duas categorias de pessoas, que não tinham a menor intenção de servir ao público. A única motivação dos grandes proprietários era atender a mais infantil das vaidades. Por outra parte, os comerciantes e os artífices, embora muito menos ridículos, agiram puramente a serviço de seus próprios interesses, fiéis ao princípio do mascate, de com um pêni ganhar outro. Nem os proprietários nem os comerciantes e artífices conheceram ou previram a grande revolução que a insensatez dos primeiros e a operosidade dos segundos estavam gradualmente fermentando (SMITH, 1996, p. 406).  
Ao longo do texto procurei mostrar como Adam Smith entendia o funcionamento da sociedade e as transformações sofridas por essa ao longo da história. Entendo que ao fazer a crítica da lei de primogenitura e do morgadio, ele estava condenando a sociedade feudal, ou o que ainda restava desta. Por assim dizer, a base se sustentação dessa sociedade foi demolida. Contudo, na Inglaterra, essa sociedade já tinha perdido sua função há muito tempo. Restando apenas alguns resquícios em algumas regiões.
           
Referência Bibliográfica:

SMITH, Adam. A Diversidade do Progresso da Riqueza nas Diferentes Nações. In: A Riqueza das Nações. São Paulo: Nova Cultura, 1996.


Um comentário:

  1. Nobre camarada João Pedro, suas palavras sobre o livro de Adam Smith mostra que você está sendo bem instruído pelo seu mentor acadêmico, José Carlos Barreiro deve estar muito orgulhoso de seu pupilo mais adorável mostrando uma analise sobre tal tema difícil de se compreender para os leigos....parabéns pela sua análise, analisar quadros e suas protuberâncias o ajudaram e muito

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