sábado, 14 de agosto de 2010

A noção de bruxaria como explicação de infortúnios de Edward Evan Evans-Pritchard.

“Eu não tinha interesse por bruxaria quando fui para a terra zande, mas os Azande tinham, de forma que tive de me deixar guiar por eles”.

  O primeiro capítulo de Social Anthropology and Other Essays. E. E. Evans¬Pritchard. Free Press. New York. 1966.
  Natural de Sussex, Inglaterra, E.E. Evans-Pritchard nasceu no dia 21 de setembro de 1902, iniciou seus estudos em Oxford e obteve seu doutorado na London School of Economics and Political Sciences (LSE). Seu primeiro trabalho de campo foi justamente entre os Azande, povo localizado no centro norte da África, com quem conviveu em diferentes períodos entre 1926 e 1932. Os resultados dessa pesquisa foram, sua tese de doutorado e a publicação e a publicação de Bruxaria, Oráculos, e Magia entre os Azande, além de inúmeras obras publicadas ao longo de sua carreira. Entre 1935 e 1938 dedicou-se novamente a estudar os povos africanos, desta vez realizando a pesquisa de campo entre os Nuer. Desta nova experiência surgiram diversas obras, com destaque para Os Nuer: uma descrição do modo de subsistência e das instituições políticas de um povo nilota. Feito cavaleiro em 1971, Evans-Pritchard faleceu na cidade de Oxfordshire na Inglaterra em 11 de setembro de 1973, então com 70 anos.    (...)
  E.E Evans-Pritchard foi sem dúvida um dos grandes responsáveis pela difusão e desenvolvimento da chamada antropologia social britânica. Suas contribuições são ainda hoje de fundamental importância nas discussões acerca da etnografia e da teoria antropológica.
A obra.
  Em sua obra A noção de Bruxaria como explicação de infortúnios, E. E Evans-Pritchard discorre sobre a forma singular como a tribo Zande reage frente à bruxaria. Diferentemente de um ocidental que a vê como algo terrível, espetacular, mágico etc. os azandes tem o conceito de que a bruxaria é algo rotineiro, onipresente e que regula todas as funções de sua vida. Sendo algo tão comum que o sistema de valores sociais dessa tribo é inteiramente regulado pensando na possibilidade (e certeza) de que a bruxaria irá ocorrer em algum momento do dia ou da noite.
  A maioria dos infortúnios que um azande sofrer durante a vida, podem (e serão) atribuído a atos de bruxaria. A atuação de forças sobrenaturais, nada tem de milagroso, quando um azande sai para caçar, por exemplo, já tem total conhecimento da possibilidade de ser prejudicado por bruxos. Quando a bruxaria se realiza, ou nesse caso o caçador não consegue a caça, ao invés de sentir-se apavorado frente às “forças sobrenaturais” que rondaram a sua caçada, o azande fica, nas palavras de Evans-Pritchard, é extremamente aborrecido. Pois sabe que a bruxaria é sempre realizada por alguém próximo que deseja seu mal.
  Engana-se quem pensa que os azande descartam as causas naturais dos acontecimentos, eles têm total consciência de que os infortúnios foram causados por elementos físicos como, fogo, animais, tocos de árvores, cupins, lanças inimigas etc. e não por presenças mágicas. Entretanto, como explicar o vácuo, que no ocidente é preenchido com a chamada coincidência. Simples, para os azande esse vazio é preenchido com a bruxaria.
  Evans-Pritchard usa como exemplo, um jovem azande que enquanto caminhava pela savana bateu com o pé em um toco de árvore, onde o ferimento resultante desse acidente infeccionou. O jovem atribuiu seu acidente a bruxaria, não que a bruxaria tenha colocado aquele toco de árvore em seu caminho para que ele se machucasse, mas “o que ele atribuiu a bruxaria, foi que, nesta ocasião particular, quando agiu com sua cautela costumeira, bateu com o pé num toco de árvore, enquanto que, em cem outras ocasiões não a fez...” . Ou seja, aquela frase: lugar errado na hora errada, entre os azande pode ser entendida como efeito de bruxaria.
  Essa tribo acredita que a bruxaria não causa a morte de forma sobrenatural, segundo os azandes ela funciona como a segunda lança. O animal que mata um caçador é a primeira lança enquanto a bruxaria funcionária como a segunda lança, dando o golpe de misericórdia no infeliz enfeitiçado.
  Mas, a bruxaria não pode ser usada como desculpa por um Zande inescrupuloso, que utilizando-se da desculpa de estar enfeitiçado, cometa crimes dentro da tribo. A doutrina azande é clara nesse aspecto quando diz que a bruxaria não faz ninguém mentir. Se um homem assassina outro dentro da tribo, não há necessidade de procurar um culpado bruxo, pois, ao homicida já é direcionado a vingança.
  O uso da bruxaria só pode ser aplicado como explicação dos infortúnios, caso a pessoa já seja experiente no desempenho da função que, acredita, tenha sido prejudicada. Casos de preguiça, incompetência e ignorância profissional não são bruxaria, mas somente despreparo. Como exemplo o autor utiliza-se de um artesão, que experiente na arte de seus antepassados, produz vasos com o mais meticuloso cuidado, caso os vasos venham a rachar no forno ele pode atribuir esse fato a bruxaria, uma vez que usou de todas as técnicas possíveis existentes para sua fabricação. Entretanto, um jovem artesão que está aprendendo o ofício não pode responsabilizar a bruxaria caso isso venha a acontecer, mas somente responsabilizar a si mesmo e sua inexperiência. Isso ocorre em todas as instancias da vida azande.
  Comparações.
  Essa ideia de que a inveja pode ser causadora de diversos males é presente em várias culturas mundo afora. Temos o chamado “olho gordo”, “mau olhado”, “agouro”, “energias negativas” etc. Não é difícil encontrar pelo interior do Brasil diversas, carrancas, crânios de bois, amuletos que visam barrar essas más energias que, acreditam, são causadoras de diversos infortúnios.
  Sendo essa crença não apenas uma relíquia de tempos imemoriais, ou de povos isolados. Basta uma rápida pesquisa na internet que vemos surgir diversos sites com rezas, simpatias, amuletos, benzeduras, contra esse mau que é o olho gordo.
  A noção do olho gordo assemelha-se em muitos aspectos a noção de bruxaria dos azande. Tem como ponto partida a inveja de pessoas próximas, que traz com isso diversos malefícios ao tal enfeitiçado.
  Por fim, o texto de Evans-Pritchard é um clássico da Antropologia, e como tal deve ser lido sempre no contexto em que foi produzido. Contexto esse profundamente marcado pelo rompimento com as concepções sobre a “cientificidade da disciplina” e a “racionalidade dos nativos”.
Sites pesquisados
http://www.sociologia.com.br/res/res27_1.htm
http://etnografianovirtual.wordpress.com/category/evans-pritchard/
Bibliografia.
EVANS-PRITCHARD, E. E. “A noção de bruxaria como explicação de infortúnios”. Cadernos de Antropologia. Brasília: UnB, 1973.



4 comentários:

  1. Muito boa essa análise sobre esta grande obra antropológica de Evans Prichard. Me ajudou muito!
    Abraços.

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  2. Também gostei da análise. Como consigo essa bibliografia utilizada (Cadernos de Antropologia)?

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  3. Se não me engano esses cadernos antropológicos são produzidos pela UNB! Vou procurar e te mando um e-mail

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  4. Ótimo! Mim ajudou bastante .

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