sexta-feira, 23 de abril de 2010

RESENHA: VOZES DO MAR. O movimento dos marinheiros e o golpe de 64.



VOZES DO MAR.
Resumo
Flávio Luís Rodrigues em seu livro tenta entender como a historiografia Brasileira trata o movimento que ocorrera nos dia 25, 26 e 27 de março de 1964 onde mais de mil marinheiros se amotinaram no Sindicato dos Metalúrgicos do Estado da Guanabara. Para tal fim, o autor faz um apanhado geral partindo de um contexto internacional, passando pelo nacional desde Getúlio Vargas até João Goulart, para assim entender as influências que incidiram sobre a criação da AMFNB (Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil), sua revolta e extinção. Por fim Flávio Luís chega ao ponto central de seu livro; como a historiografia brasileira, e suas diversas interpretações, tratam desse assunto tão polêmico.
Boa Leitura.

A AMFNB.
Na década de 60 era muito difícil a ascensão de um marinheiro a oficial, pois, os cargos do oficialato eram reservados aqueles que faziam cursos diferentes dos reservados aos marinheiros. Por esse motivo não era raro ver filho de almirante seguir a mesma carreira do pai como se fosse algo hereditário.
A Grande maioria dos marujos tinha origem no norte ou nordeste do país, em sua maior parte camponeses de áreas pobres e com poucos empregos para os jovens. Com pouca ou nenhuma escolaridade os jovens eram atraídos pelas belas propagandas da Marinha. A família desses rapazes muitas vezes não aprovavam essa decisão, graças ao preconceito que existia para com os marinheiros, que eram taxados de cara da zona, cara bagunceiro, valentão, briguento, alcoólatra, etc.
Com o tempo dentro da marinha esses rapazes “caiam na real”, já que a vida dentro dos navios era muito difícil para o marujo de baixa patente. A oposição entre oficiais e marinheiros adquiriu proporções de oposição de classe, uma vez, que os cargos do oficialato estavam reservados aos integrantes das classes mais abastadas.
A Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil foi criada no dia 25 de março de 1962, tendo como primeiro presidente João Barbosa de Almeida. Essa associação surgiu no âmbito de diversas mudanças políticas, sociais que ocorriam no Brasil e no mundo, como o autor faz questão de relatar: A crise dos mísseis, a renúncia de Jânio Quadros e o governo João Goulart com a crise do populismo, etc.
Essa primeira diretoria nunca foi reconhecida legalmente pela marinha, contudo era tolerada pelo fato de sua submissão e boa relação com o almirantado. A presidência de João Barbosa foi marcada por sua política conciliatória e assistencialista. Com o tempo surgiram duas facções dentro da associação, uma de tom mais conservador e outra mais radical que pregava autonomia para com a alta cúpula da marinha.
A segunda diretoria, eleita no ano seguinte, tinha um tom mais radical que a antecessora. Sob a presidência de José Anselmo dos Santos defendia-se a autonomia da instituição, relacionava-se com vários sindicatos e entidades como a UNE, além de ser simpático as reformas de Jango.
De março de 1962 até agosto de 1963 a AMFNB foi tolerada pela marinha, mas a Revolta dos Sargentos de Brasília em setembro daquele ano quando cerca de 600 praças amotinados trocaram tiros com a tropa do exército, levou as forças armadas a temer a crescente politização dos militares de baixa patente, com isso a administração declarou ilegal o estatuto da associação.
O ano de 1964 começou com um conflito declarado entre o ministério da Marinha e a AMFNB, onde integrantes e líderes da associação sofriam todo tipo de pressão e perseguição por parte de seus superiores. A radicalização de ambos, próximo ao aniversário de dois anos da instituição, levou a revolta dos marinheiros.
Durante a festa que, diga-se de passagem, foi proibida pelo alto escalão da marinha, os marinheiros que festejavam dentro do Sindicato dos Metalúrgicos do Estado da Guanabara ficaram sabendo da prisão do 1ª classe Otacílio dos Anjos Santos. Surgindo a proposta de manter vigília até sua liberdade, que mais tarde foi acrescida de mais uma reivindicação: O reconhecimento da Associação dos Marinheiros e fuzileiros Navais do Brasil pela marinha.
Para conter a rebelião foram enviados tropas do exército, que invés de se posicionarem contra o movimento começaram a aderir a ele, entrando desarmados para dentro do sindicato.
No dia 27 de março uma foto estampou a capa do jornal Última Hora onde José Anselmo dos Santos aparece lado a lado com João Candido líder da Revolta da Chibata. Com isso o movimento de 1964 procurava legitimação no de 1910, já que muitas das reivindicações já vinham daquela época como: Casamento, vestir paisana fora do serviço, melhoria do salário etc.
Diante de tal crise o ministro da marinha Sylvio Motta exonerou-se do cargo, o que gerou uma espécie de pequena vitória dos marinheiros. Para substituí-lo foi convidado o Almirante Paulo Mário da Cunha Rodrigues que anistiou todos os rebelados do sindicato dos metalúrgicos. Isso irritou ainda mais os almirantes.
Após a anistia os marinheiros comemoraram em passeata pelas ruas centrais do Rio. Todos esses atos de indisciplina das tropas e tolerância por parte do governo podem ter sido o estopim que os militares, que já conspiravam contra o governo de Goulart, tanto precisavam para justificar sua ação no dia dois de Abril de 1964.
JOSÉ ANSELMO DOS SANTOS:
A figura mais polêmica do movimento modificou toda a forma como a historiografia entendeu o motim dos marinheiros, menos de uma semana antes do golpe militar.
O segundo presidente da AMFN foi eleito com 236 votos, contra 46 de José Fernandes, 8 de Antônio Carlos e 7 nulos. Ou seja, o representante da ala mais radical da associação ganhou com larga margem para seus adversários, o que parecia demonstrar que contava com grande apoio entre os marinheiros.
Estudiosos de esquerda associam a revolta a um plano previamente articulado pela CIA e realizado por José Anselmo, para desestabilizar o governo da Jango.
Toda essa desconfiança parte do que ele se tornara na década de 70, onde aderiu ao sistema de repressão do delegado do DOPS, Sérgio Paranhos Fleury, provocando com suas delações o desaparecimento de mais de 200 militantes de organizações de esquerda.
Com isso, segundo o autor, a historiografia brasileira condenou todo o passado da AMFNB com base no que José Anselmo viria se tornar no futuro. Não há evidências de que Anselmo já era um agente duplo infiltrado na AMFNB. Ele acredita que a adesão do mesmo só ocorreu em 1971, quando ele e Edgard Aquino Duarte foram presos, Anselmo foi solto e Edgard desapareceu.
AS VERSÕES DA HISTORIOGRAFIA:
Segundo o autor Flávio Luis Rodrigues, existem três correntes que pensam esse acontecimento, de formas distintas:
A primeira, em geral veiculada por militares, acredita que aquela revolta foi incitada por interesses comunistas, que vendo a fraqueza do governo diante de tal motim poderiam a qualquer momentos iniciar uma revolução socialista no Brasil. Muitos vinculam o medo de que acontecesse aqui o que ocorreu na Rússia em 1905 com o Encouraçado Potemkim.
A segunda é defendida por historiadores e jornalistas de esquerda e associa a revolta à trajetória pouco exemplar de Anselmo. Essa versão acredita na infiltração da agitadores da CIA ao movimento, para assim criar o estopim do golpe já pré-planejado.
A terceira corrente, ao qual o autor compartilha, trata da revolta de forma cuidadosa, não vinculando a AMFNB à trajetória de Anselmo.
Flávio Luis não nega o fato de que a revolta tenha sim, influenciado a queda de Jango. Mas defende a veracidade do movimento dos marinheiros, onde segundo o autor, como poderiam ter ido a favor do golpe se a maioria absoluta dentro da AMFNB era simpatizante das reformas de base do presidente deposto.
Para o autor o movimento dos marinheiros não foi incitado nem por comunistas, nem pelos agentes da CIA. O intuito dos marujos nunca foi criar justificativas para a derrubada o presidente, na verdade foi um movimento autônomo que lutava por mais direitos e melhores condições de vida dentro da marinha.
Ou seja, os marinheiros se revoltaram contra seus superiores imediatos, talvez seja certo afirmar que a associação foi usada para abalar o governo Jango, mas não por seu segundo presidente e sim pelo oficialato golpista que manobrou para encurralar politicamente a marujada e provocar a reação.

Bibliografia:
RODRIGUES; Flávio Luís: “VOZES DO MAR: O movimento dos marinheiros e o golpe de 64.” São Paulo; Ed. Cortez, 2004.



Um comentário:

  1. Existem vários relatos sobre o clima da Rebelião dos Marinheiros... e, sim, vários (incluindo Marighella, que parece também ter contribuído para a redação do manifesto lido por Anselmo) consideravam que "o destino do Brasil está sendo decidido". Aliás, o clima de golpe à esquerda ou contragolpe da direita estava mais do que presente... e a retórica da esquerda era revolucionária: os exemplos são inúmeros.

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